O presente agravamento da crise do capitalismo suscita explicação sobre qual o comportamento esperado dos assalariados, que constituem a maioria da população economicamente ativa. As “Conclusões”* aqui apresentadas, dão contribuição rica e atualizada sobre “um novo papel” para o sindicalismo.
*Letizia, Vito. “Marx, os marxistas e a relação sindicato-partido-socialismo: seu passado e seu futuro.” “Conclusões”, p.p. 151-160. In Jorge Novoa (organizador). Incontornavel Marx. Salvador, EDUFBA, 2007.
Conclusões
1. Ainda é válido lutar por um sindicalismo “classista”? Evidentemente, a expressão decorre da teoria marxista das classes sociais.
Discute-se hoje se a classe operária de que falava Marx ainda existe. Sem dúvida, muita coisa mudou de lá para cá: diminuiu a proporção de operários industriais entre os assalariados, mudaram as formas de organização do trabalho e muitas outras coisas. O mais importante, porém é que o capitalismo continua vigente e a grande massa da população continua sendo constituída de assalariados. O mundo moderno ainda se divide basicamente entre proprietários de meios de produção e ofertantes de mão-de-obra.
Seja como for, uma liderança sindical autêntica não se define pela aceitação ou não da teoria marxista das classes sociais. A única coisa que realmente conta é a defesa encarniçada dos interesses dos trabalhadores que representa. Em termos bem simples: que seja honesta com a base que oficialmente representa, recusando o papel de apaziguadora de conflitos e, muito menos, de disciplinadora dos trabalhadores em proveito da lucratividade do capital. Sindicato é para defender a lucratividade do trabalho. Ponto. Isso já é marxismo mais que suficiente.
Uma mudança importante do mundo de hoje está nas formas de organização empresarial, que priorizam a valorização dos recursos humanos, a preocupação dos administradores modernos é fazer os empregados “vestirem a camisa” da empresa. Preocupação que decorre da necessidade de um alto grau de adaptabilidade dos trabalhadores à variação das atividades. As atividades repetitivas estão diminuindo em muitas empresas, devido ao desenvolvimento de máquinas “inteligentes” e das comunicações informatizadas. Logo, mão-de-obra polivalente e “criativa” está em alta; operadores de uma máquina só e especialistas de uma rotina só estão em baixa. E para conseguir criatividade dos funcionários, os empresários precisam hoje de um ambiente de trabalho mais distendido e mais participativo do que o dos tempos antigos.
Em princípio, nada contra. Não é inerente ao método marxista considerar os capitalistas como inimigos pessoais de cada trabalhador. Nem o trabalhador marxista precisa ser um sabotador. O antagonismo entre as classes, em termos gerais, não necessariamente impede um ambiente de paz nos locais de trabalho. A guerra nos locais de trabalho sempre começou com a pressão pela maximização do lucro. Quando não pressionados, os trabalhadores sempre desenvolveram atitudes espontâneas de colaboração, porque o homem é um animai social e tende ao convívio solidário.
Marx não concebia a hostilidade entre as classes como resultado de uma suporta “condição operária”, que tem preocupado certas correntes sociológicas sem compromisso com o método marxista. Em geral os trabalhadores acham sua condição social perfeitamente normal; e querem mesmo é levar sua vidinha em paz. Quando isso se torna difícil é que vem o conflito, e com ele a hostilidade entre as classes.
O marxismo pode até aguçar o conflito entre as classes ao organizar os trabalhadores em defesa de sua vidinha normal. Mas não partir de uma oposição de idéias para atrapalhar a vidinha normal c com isso criar o conflito. Marx via a lula de classes como um conflito de interesses materiais opostos; não como um confronto entre uma suposta “concepção proletária do mundo” e a ideologia burguesa. Assim, se os atuais avanços tecnológicos permitirem melhor relacio¬namento dentro das empresas, os marxistas não precisarão adoecer de desgosto por isso. Todos podem ficar felizes, marxistas inclusive, enquanto o bom relaci¬onamento não significar trabalho gratuito além do horário ou aumento da pro¬dutividade sem efeito na remuneração do trabalho.
Os fatos recentes, entretanto, têm mostrado que as inovações nos métodos administrativos se dão no contexto de uma evolução econômica global que di¬minui o número de beneficiados com as inovações e ameaça conquistas sociais anteriores. As empresas querem pagar salários mais variáveis e contribuições sociais menores. O estado de bem-estar conquistado em países centrais após a II Guerra mundial está sendo contestado (aliás, já sendo corroído). Os economistas bem pagos para demonstrar a racionalidade das decisões dos capitalistas explicam em coro (hoje em dia praticamente sem vozes discordantes) que o estado de bem-estar está falido e que muitas das conquistas sociais anteriores são insustentáveis face ao nível atual da competição internacional.
Não fossem os efeitos desmoralizantes do “socialismo real” desmorona¬do, os trabalhadores estariam talvez melhor lembrados de que foi sempre em nome da competição que os capitalistas tentaram empurrar o nível de vida dos assalariados para baixo, desde que existe capitalismo. Estariam também lem¬brados de que produção competitiva ocorreu no passado combinada com níveis de vida muito variados. E que não há teoria científica que defina uma relação necessária entre produção competitiva e nível de vida. Isso é sempre uma ques¬tão de escolhas políticas e de relação de força entre as classes.
Quando o capitalismo não consegue mais produzir sem baixar o nível de vida geral é hora de mudar o funcionamento do sistema, não o nível de vida. Quer dizer: é preciso defender primeiro o homem, depois o capital. Qualquer sindicalismo viável (marxista, classista ou simplesmente bom) não pode renun¬ciar a essa ordem de prioridades.
2. Uma vez definido que os sindicatos necessitam manter suas reivindica¬ções numa perspectiva que vá além da lógica capitalista, torna-se óbvio que a completa independência em relação ao estado capitalista e aos patrões deve ser um princípio fundamental do sindicalismo.
É esse princípio que define a relação entre sindicatos e partidos políticos. Se os sindicatos não podem enquadrar suas reivindicações nos limites estabele¬cidos pela lógica capitalista, fica automaticamente criada uma necessidade de diferenciar os partidos que defendem o capitalismo até o fim dos partidos que nasceram lutando contra os capitalistas. Sindicatos totalmente coerentes com os interesses dos trabalhadores não podem aliar-se a partidos representativos de interesses capitalistas. Mas podem, eventualmente até devem, aliar-se e ligar-se estreitamente a partidos surgidos das lutas dos trabalhadores. Nisso os assalari¬ados não precisam ser diferentes dos patrões, cujas instituições corporativas estão estreitamente ligadas aos partidos que defendem seus interesses.
Em relação aos partidos surgidos do movimento operário (não necessari-amente autoproclamados “marxistas” ou “socialistas”), os sindicatos devem manter-se autônomos. “Neutralidade” ou separação estanque seria absurdo, pelo simples fato de que os ativistas sindicais são inevitavelmente filiados ou simpa¬tizantes de partidos do movimento operário. Os sindicatos não podem, sem prejuízo próprio, dar aos ativistas sindicais o mesmo tratamento que devem dar aos políticos de partidos ligados a interesses patronais.
Autonomia sindical significa basicamente o seguinte: nenhuma decisão sindical deve ser tomada fora dos organismos sindicais. Não aceitar a tese de que sindicatos seriam “correias de transmissão” entre os partidos do movimento operário (que supostamente organizariam uma ”vanguarda”) e as “massas”.
Essa tese implica a idéia de que pessoas particularmente “conscientes” conhecem os interesses dos trabalhadores comuns melhor do que estes. Marx dizia que os comunistas se diferenciavam dos demais trabalhadores por ligar-se
sempre aos interesses mais gerais de sua classe, e não aos interesses particulares ou nacionais. (Manifesto do Partido Comunista.) Mas isso não quer dizer que os marxistas (ou “comunistas”, como Marx dizia) “sabem” melhor do que os pró¬prios trabalhadores quais são seus interesses gerais. Menos ainda que o partido marxista teria a “missão” de decidir em lugar e em nome dos trabalhadores, mesmo contra sua vontade majoritária.
3. A conclusão de que a democracia interna é vital para os sindicatos é uma decorrência inevitável de sua própria natureza de organizações para todos e necessariamente representativa de todos os assalariados. Isso no caso do sindicalismo ligado aos interesses de todos os assalariados.
Quando os capitalistas não podem impedir a organização dos trabalhado¬res, tentam criar organizações sindicais burocráticas ou burocratizar as já exis¬tentes. Porque sindicatos livremente organizados pêlos próprios trabalhadores sempre são perigosos para o capitalismo. Mesmo que não tenham uma proposta globalmente anticapitalista, são perigosos simplesmente por representarem a vontade autêntica dos trabalhadores.
Vontade autêntica só é visível em organizações onde reina plena democra¬cia interna. Logo. a luta pelo máximo de democracia interna pode ser simples¬mente entendida como a busca do máximo de eficiência como sindicato.
Entretanto, manter a democracia interna, evitando a burocratização dos sindicatos não é fácil. Porque sindicato tem que negociar com os patrões; nego¬ciar com os patrões implica algum reconhecimento legal; reconhecimento legal implica submetimento a certas normas estabelecidas pelo governo. E tais nor¬mas vão sempre no sentido de distorcer a representação dos trabalhadores ou de garantir a continuidade das direções mais acomodadas. Além disso, sindicatos legais tendem a acumular um grande patrimônio (principalmente onde há con¬tribuição sindical compulsória). E, com o tempo, o apego ao patrimônio do sindicato tende a prevalecer sobre o apego á representatividade autêntica.
Um modo usual de deformar a representarão sindical é tomar obrigatória a chamada “unicidade sindical”. Leis que impõem um único sindicato por cate¬goria e área geográfica, acompanhadas de contribuição sindical compulsória, são poderosos meios de burocratização dos sindicatos. Lutar contra isso é um imperativo, absoluto.
Os trabalhadores devem ter liberdade para forjar a união de todos os em-pregados de um mesmo patrão (ou do mesmo oligopólio), o que pode não coin¬cidir com uma única área geográfica e mesmo abranger mais de uma categoria.
Pois a união mais eficaz é sempre a união livre de todos que trabalham para a mesma instituição patronal.
Em qualquer hipótese, o essencial é que os sindicatos sejam organizados de baixo para cima, com inteira liberdade, e sejam sustentados pêlos próprios sindicalizados.
4. Para melhor representar e servir os trabalhadores, a forma de organiza¬ção sindical deve manter a direção constantemente próxima de suas bases, tor¬nando a representação mais direta, na medida do possível.
Isso implica não só cuidados com a ligação entre direção e base sindical, corno também uma lula por mais espaço de liberdade nas empresas. Os traba-lhadores devem ter liberdade para organizar-se dentro das empresas, com direi¬to a reunir-se nos locais de trabalho para eleger representantes de base.
É preciso não perder de vista que isso implica uma luta de grande enverga-dura. Os capitalistas não gostam de ter sindicato funcionando dentro de suas empresas; gostam menos ainda de ter organização sindical de base dando palpi¬te sobre decisões patronais.
Para isso os patrões e seus governos tentam manter uma separação nítida entre sindicalistas profissionais c trabalhadores comuns. E geralmente tem sido bem sucedidos nesse objetivo porque freqüentemente contam com a colabora¬ção de um sindicalismo deformado, mais interessado na representação legal (e no patrimônio) do que na representação autêntica.
Nas condições atuais da “modernização” capitalista, sindicatos burocráticos significam sindicatos impotentes. E os atuais ataques ao estado de bem-estar nos países centrais apoiam-se justamente na impotência dos sindicatos tradicio¬nais, burocratizados sob a influência da social-democracia e do stalinismo.
Tudo deve ser feito para que os trabalhadores comuns se envolvam na defesa de seus próprios interesses; e não apenas que o sindicato exerça a repre¬sentação legal. Essa luta poderá ser diferente de um lugar para outro, mas o princípio é o mesmo: participação da base ao máximo e representação o mais direta possível nos sindicatos.
Por isso, para lutar por maior espaço de liberdade sindical nas empresas, é necessário uma atividade política ampla, que defenda essa reivindicação junto à sociedade, como uma luta pela ampliação das liberdades’ democráticas em ge¬ral. Sindicatos mais democráticos e mais diretamente representativos (portanto, com mais espaço nas empresas) exigem uma sociedade mais democrática. Para cumprir essa tarefa, ampla demais para os sindicatos legais, a organização do movimento operário também em partido político é indispensável.
5. Em certo sentido, não deixa de ser verdadeira a afirmação corrente de que o velho sindicalismo tornou-se obsoleto.
O velho sindicalismo consiste, grosso modo, nas duas grandes ramifica¬ções do movimento sindical ‘livre” (mais ou menos): a corrente dita “comunis¬ta” (mais precisamente stalinista) e a corrente social-democrata; esta última dando origem a uma variante “neutra”. A corrente anarquista, que poderia ser considerada uma terceira ramificação, deixou de ter importância fora da Espanha, após a II Guerra Mundial. Todas essas correntes se originaram, direta ou indiretamente, do sindicalismo surgido no tempo de Marx.
A primeira corrente tirava sua força do prestígio da URSS como país em que, suposta mente, o “proletariado” estaria construindo uma nova sociedade, superior ao capitalismo. Errado ou certo, tal suposição dava aos militantes dessa corrente uma forte convicção anticapitalista, que impulsionava uma combatividade às vezes eficaz, sempre que sua cúpula burocrática estivesse interessada em liberar a combatividade dos militantes. Uma vez a URSS desa¬parecida e sua antiga burocracia (ainda no poder) transformada em burguesia ultraliberal e máfias diversas, o velho sindicalismo “comunista” ficou reduzido a seu esqueleto nu: uma burocracia que tenta sobreviver. E por isso é a corrente sempre mais disposta a defender os dispositivos legais que favorecem o sindicalismo burocrático e submetido ao estado capitalista.
A corrente sindical social-democrata (trabalhista na Grã-Bretanha e paí¬ses do “Commonwealth”) tirava sua força das conquistas sociais importantes que arrancou dos capitalistas, respeitando o sistema. A realização do estado de bem-estar em vários países deu-lhe autoridade e solidez. Entretanto, o estado de bem-estar está sendo questionado pelo pensamento econômico predominante hoje. Além, disso, há as transformações tecnológicas, a terceirização e o desapa¬recimento ou fragmentação de categorias profissionais antes importantes no movimento sindical. Tudo isso reduziu a corrente social-democrata a um sindicalismo minoritário, entrincheirado em categorias qualificadas e mais bem organizadas, que ainda resistem. Suas convicções capitalistas levam-na a confor¬mar-se com a restrição do bem-estar social a uma minoria; ao “possível” admi¬tido pelos ideólogos da nova “competitividade global”. Os sindicatos norte-americanos (variante “neutra” dessa corrente) têm seguido uma trajetória seme¬lhante, com algumas particularidades.
O resultado dessa evolução do velho sindicalismo é que, na atualidade, as grandes massas de trabalhadores- estão sem representação eficaz. E com isso a vida dos trabalhadores vai ficando cada vez mais difícil. Principalmente devido à ação de lideranças saídas do velho sindicalismo, que hoje proclamam a necessidade de “mudanças na mentalidade e na prática sindical”, cujo objetivo é uma reorientação rápida para o enquadramento voluntário nos limites exigidos pela “competividade global”. Tal reorientação é muito útil para manter essa gente na carreira de líderes profissionais. Para a maioria dos trabalhadores é um beco sem saída.
Hoje, o enfraquecimento dos velhos partidos políticos do movimento ope¬rário coloca a questão da representatividade de forma muito mais crua e direta do que no passado. Não basta mais ser “socialista” para representar os trabalha¬dores. Precisa representar mesmo. Precisa mostrar serviço organizando um flu¬xo de informações corretas aos trabalhadores (para contrabalançar o triunfalismo neoliberal da mídia). Precisa manter um funcionamento profundamente demo¬crático, que inspire confiança e atinja uma base muito mais ampla do que a atingida habitualmente pelo sindicalismo tradicional. A rigor o sindicalismo necessário na atualidade não é essencialmente diferente daquele proposto por Marx. Só que agora a questão da autenticidade e profundidade da representação adquire forte preponderância sobre os aspectos ideológicos. Ao passo que, no tempo de Marx, a opção ideológica podia ser suficiente para agrupar grandes massas de trabalhadores, apesar das deficiências na ligação entre direções e bases, hoje sindicalismo forte só pode manter-se com representatividade pro¬funda e autêntica.
6. O desmoronamento dos “-ismos” do movimento operário coloca a luta pela defesa das conquistas dos trabalhadores em termos necessariamente práti¬cos. Não há mais ideologia de prestígio para defender as conquistas. Mas as conquistas precisam ser defendidas. Defendidas para todos; não para um núme¬ro cada vez menor.
Isso exige, por um lado, adaptar-se à desideologização do sindicalismo atual, não insistindo em prometer um “socialismo” que ninguém mais sabe o que possa vir a ser, ou “sabe” através de lembranças de um triste passado. Por outro lado, exige apresentar respostas práticas, porém amplas e fortes, próprias dos trabalhadores, que restabeleçam o vínculo entre a luta sindical e os movimentos sociais, coisa que antes era realizada pelos partidos de orientação socialista.
Bem entendido, desideologização deve implicar não só o abandono da falsa ideologia ligada ao “socialismo real”, mas também e principalmente rejei¬tar a ideologia da “modernidade” capitalista, que pretende associar os trabalha¬dores à busca da “competitividade” em detrimento das conquistas sociais para a maioria. Os defensores do capitalismo, milagrosamente revitalizados pela adesão de “socialistas” arrependidos e ex-burocratas de extração tanto política como sindical, estão tentando ocupar o vácuo ideológico em que está jogado o movi¬mento operário com a velha ideologia da “unidade de interesses” entre trabalha¬dores e patrões. Não dá para aceitar.
Com ou sem socialismo, os trabalhadores não podem renunciar à apresenta-ção de soluções próprias aos problemas econômicos que afetam toda a sociedade.
Por isso, contra o desemprego estrutural, causado pelo aumento rápido da produtividade, a solução dos trabalhadores só pode ser a recolocação da luta, por uma diminuição geral da jornada de trabalho; luta que permitiu vitórias importantes no passado e que deu origem a melhorias importantes no nível de civilização. Fábricas que antes tinham 30,40 ou 50 mil operários, hoje, graças à robótica, podem apresentar o mesmo volume de produção com apenas três mil ou dois mil operários. Diante dessa evolução, a resposta do capitalismo é ficar com três mil ou dois mil de cada trinta mil operários e deixar o resto na “assis¬tência ao desemprego” (quando existe). E, ainda por cima, diminuir os benefíci¬os sociais para todos, porque a contribuição dos empregados que ainda restam se torna insuficiente para manter aposentadoria e saúde pública decentes para todos. Essa não pode ser a resposta do movimento sindical.
Quando a produtividade aumenta muito, mais do que o tamanho do mer¬cado, não há como defender as conquistas sociais da maioria sem diminuição da jornada de trabalho. Isso pode diminuir a sacrossanta produtividade (em rela¬ção aos salários pagos); mas, em compensação, aumenta a massa de consumido¬res produtivos, que é o resultado mais conveniente para todos.
A produtividade atingida pela tecnologia atual já permite pensar na gene-ralização de uma jornada de quatro horas. Como e em quanto tempo se chegará a isso é uma discussão aberta. Mas nessa discussão os trabalhadores não ficam na defensiva. E podem falar em nome dos interesses gerais da sociedade, com a autoridade que isso dá. Contra uma produtividade que amplia a marginalidade social e a barbárie, o movimento sindical pode e deve opor uma produtividade com pleno emprego e civilização.
Alguns argumentarão que, para diminuir a jornada de trabalho, seria me¬lhor uma palavra-de-ordem mais elástica, como escala móvel de horas de traba¬lho. Infelizmente, essa palavra de ordem já foi usada e nunca funcionou. Em primeiro lugar porque é difícil impedir que o cálculo da jornada mais adequada ao emprego disponível termine sendo feito por economistas parciais e burocra¬tas escolhidos a dedo. Em segundo lugar, porque a jornada de trabalho, por natureza, não é muito “móvel”. Quem estiver trabalhando cinco horas por dia pode não querer voltar a trabalhar sete (mesmo ganhando mais) porque já ocu¬pou de algum modo aquelas duas horas. Não se pode tratar as pessoas como meros “soldados da produção”.
Não precisa cálculos complicados para descobrir que a produtividade, em termos gerais, teve um aumento gigantesco desde os anos 20 (quando adotou-se a jornada de oito horas na Europa). Já é tempo de exigir que a sociedade tire proveito disso em termos de tempo livremente disponível. Ainda mais quando a alternativa é um forte desemprego estrutural e uma imensa marginalidade soci¬al. Pode-se ser elástico ao máximo na discussão dos meios, modos e prazos para alcançar a jornada de quatro horas. Mas o objetivo deve ser simples e claro. E isso dá uma bandeira de caráter amplo e geral ao sindicalismo e ao movimento dos trabalhadores. Eles estão precisando.
Aqui é indispensável, um alerta sobre as discussões “técnicas” que fatal¬mente se farão sobre o assunto. Assim que uma central sindical importante propuser diminuição geral da jornada de trabalho, cairá imediatamente uma chuva de números, produzidos por economistas e instituições de pesquisa renomados, para “provar” que a proposta é economicamente “inviável”. Não será a primeira vez.
Quando foi proposta a jornada de dez horas, no inicio do século passado, surgiram numerosos estudos eruditos “provando” que a indústria iria à bancar¬rota maciçamente se a idéia fosse aceita. Quando começou a luta pela jornada de oito horas, no fim do século, despencou uma avalanche de análises “científicas” em contrário, inclusive levantando o problema dos possíveis efeitos deletérios da “ociosidade” em que cairiam os trabalhadores,se passassem a trabalhar “só” oito horas. A teoria econômica neoclássica, que nascia nessa época, aproveitou a discussão pura demonstrar “cientificamente” que a jornada de trabalho é fruto de uma “livre” escolha do trabalhador entre mais salário ou mais lazer, logo, não deveria haver lei sobre jornada de trabalho. Essa teoria continua em prestigio no pensamento econômico capitalista e continua sendo posta em pratica nas categorias menos organizadas, que ainda escolhem “livremente” entre a miséria ou trabalhar dez, doze ou mais horas por dia.
Não existe ciência neutra. Os sindicatos devem fazer seus próprios estudos e informar corretamente suas bases e a sociedade. Mas o melhor mesmo é confiar na organização dos trabalhadores.
7. Resumindo: em vez de lamentar o descrédito atual da bandeira socialista ou adaptar-se ao capitalismo vendendo sua alma, os sindicatos precisam hoje abrir um caminho próprio, que começa pela criação de uma representatividade mais direta, erguida desde a base nas empresas. Para alcançar isso, o método de Marx ainda é útil, desde que se tome o cuidado de não cair nos velhos chavões desmoralizados pelo “socialismo real”. Manter-se colado aos trabalhadores e não inventar “interesses históricos” para eles continua sendo um bom preceito de prudência, além de condizente com o marxismo.
Outro preceito de mesmo tipo é ligar os interesses dos trabalhadores aos de toda a sociedade; e não deixar-se encurralar no corporativismo mesquinho, o que exige uma bandeira ampla, como a da jornada de quatro horas. Nessa lula pode-se desenvolver também o movimento político dos trabalhadores, pois o debate social envolvido vai muito além dos limites sindicais.
Perdidas as bandeiras do passado, outra é preciso. A de hoje pode não prometer o paraíso, como as do passado. Mas se os trabalhadores a empunha¬rem, talvez alguns sonhos, que hoje parecem impossíveis, voltem a viver.
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