Apresentação:
Muitas pessoas têm dificuldades em compreender acontecimentos que afetam suas vidas, no dia a dia e ao longo dos anos.
Este texto sobre “Desenvolvimento da Sociedade” pode ajuda-las, colocando as definições e esclarecimentos sobre componentes históricos, políticos, socioeconômicos, etc., sobre o assunto. Esse texto faz parte de um livro que estamos preparando sobre “Desenvolvimento da Sociedade”.
Sumário:
Desenvolvimento da Sociedade
- Sociedade
- Relações Sociais
- Organizações Sociais
- Comunidade
- Grupo e Associação
- Família
- Classe
- Estado
- Formação da Organizações Sociais (Família, Classe e Estado)
- Instituição
- Individuo, Sociedade e Moral
- Civilização e Cultura
- Sociedade Humana e Sociedade Global
- Mudança Social
- Teorias sobre Mudança Social
- Desenvolvimento da Sociedade
Desenvolvimento da Sociedade
Sociedade
Definição: A sociedade humana é um sistema complexo e em contínua transformação, organizado com usos e procedimentos que guiam e controlam o comportamento humano. A sociedade humana é composta de indivíduos da espécie humana que se comunicam e interagem numa rede de relações. O somatório de indivíduos de uma mesma espécie não é suficiente para constituir uma sociedade. Nesta o indivíduo se expressa como um ser social, quando se comporta em relação aos outros indivíduos através de reconhecimento mútuo. Isto é verdadeiro para sociedades formadas por indivíduos de outras espécies como abelha, formiga, elefante, baleia, lobo, e inúmeras outras. O reconhecimento mútuo entre os indivíduos provém de uma consciência da semelhança.
Embora a semelhança proporciona o reconhecimento mútuo entre os indivíduos na sociedade, as diferenças existentes entre os indivíduos ou entre grupos de indivíduos contribuem para a existência de reciprocidades, complementaridades, ou trocas. É o caso de diferença de sexos na família, que é a primeira formação social a se desenvolver na história da humanidade. A diferença de sexo conflui com os interesses comuns em reproduzir a espécie, dividir o trabalho para obter alimento, proteger a família, e partilhar afeto. Também as diferenças entre os indivíduos como interesse, atitude, capacidade, e especialização no trabalho, leva a sociedade humana a ser mais complexa e mutável do que as sociedades de outras espécies animais como as das abelhas e das formigas.
Relações Sociais
Uma relação social existe quando o indivíduo está cônscio da presença e da semelhança do outro, havendo um reconhecimento mútuo entre os indivíduos, e quando há um senso de algo adquirido e desfrutado em comum. Nas sociedades humanas primitivas, comuns na pré-história, existentes na historia antiga, e sobreviventes até hoje como os índios da Amazônia, a consciência da semelhança se expressa em forma de relação de parentesco ou de sangue. O reconhecimento da semelhança tem historicamente ampliado do parentesco para a tribo, a cidade estado, a nação, e atualmente, para a comunidade internacional e a comunidade global ambiental.
As relações sociais são de natureza pessoal, impessoal, econômica, política, amigável, ou antagônica. Estas relações se realizam através de cooperação, de conflito, ou de ambos. Na cooperação as pessoas têm interesses harmônicos. Na cooperação direta os indivíduos desenvolvem a mesma atividade conjuntamente, como na construção de uma cerca ou no atendimento a uma pessoa acidentada; e na cooperação indireta os indivíduos realizam atividades ou tarefas diferentes para atingir um objetivo comum, a exemplo do trabalho numa fábrica, onde, pela divisão do trabalho em diversas tarefas especializadas, produz-se uma mercadoria. Já nas relações sociais realizadas por conflito as pessoas têm interesses desarmônicos e disputam algo de natureza escassa, como uma mercadoria ou uma posição de poder. Neste caso os indivíduos se apegam ao seu grupo e rejeita os estranhos ao mesmo.
As relações conflituosas entre pessoas, grupos, classes, ou nações, estão presentes continuamente no processo histórico e dialético. Estes conflitos são resolvidos através da imposição temporária das exigências da parte mais poderosa ou vitoriosa, ou da criação de dispositivos de separação, segregação ou exclusão do mais fraco, ou ainda pela superação do conflito pela descoberta ou reconhecimento, pelas partes, de um campo mais amplo de interesse. As sanções militares e econômicas sobre o Iraque na guerra do golfo pérsico exemplificam o primeiro caso. A segregação dos negros na África do Sul, nos Estados Unidos e em outros países, e dos Kurdos no Iraque e na Turquia é exemplo dos dispositivos de segregação e de exclusão. A união dos comunistas e nacionalistas chineses na guerra contra os japoneses na década de 40, a aliança entre a União Soviética com a França, a Inglaterra e os Estados Unidos na segunda guerra mundial, e a recente aproximação entre os Estados Unidos e a Rússia, podem exemplificar a solução de conflito pela descoberta de um campo mais amplo de interesse.
Organizações Sociais
Os costumes e procedimentos que guiam e controlam o comportamento humano na sociedade são realizados através de organizações sociais como a comunidade, o grupo, a associação, a família, a classe, o estado, e as instituições.
Comunidade
As comunidades são o vilarejo, a cidade, a tribo, a nação, ou mesmo um convento, uma prisão, agrupamento de imigrantes, uma área de vizinhança. A comunidade é um agrupamento de pessoas que têm vida comum em determinada localidade. A comunidade proporciona as condições básicas da vida das pessoas e pode abarcar todos os aspectos da vida social dos membros do grupo. Isto possibilita a existência de laços de solidariedade, de um sentimento comunitário, e de coerência na vida em comum.
As comunidades no mundo moderno são interdependentes devido aos meios modernos de comunicação e dos intercâmbios econômicos e culturais. A mobilidade das pessoas resultante do uso destas facilidades de comunicação contribui para a expansão dos limites físicos e psicológicos da comunidade. Um índio de uma tribo selvagem na Amazônia pode não se considerar brasileiro, peruano, ou venezuelano; já um ativista na defesa do meio ambiente residente no Rio de Janeiro pode se sentir cidadão do mundo; ou ainda um peão nos pampas se sentir gaúcho, e brasileiro ou argentino.
Grupo e Associação
Grupo é um conjunto de pessoas que estabelecem relações sociais pela realização de atividades em comum. Nestas atividades as pessoas interagem e desenvolvem uma consciência do interesse comum. Neste sentido a família, o grupo de trabalho, a turma do bairro ou da rua, a igreja, a nação, podem ser considerados grupos. Entretanto sob critérios de definição adicionais, o grupo pode passar a ter outra denominação, como comunidade, associação, e classe. No caso da comunidade inclui-se a característica de localidade. Já a associação é um grupo formado deliberadamente com objetivo em vista.
Quando a associação é informal, é dirigida por líderes naturais e funciona como meio de defender interesses comuns; quando formal, é uma agencia burocrática, com responsabilidades legais, dirigida por representantes, e intitulada a defender os interesses dos membros. Exemplos de associações são os sindicatos, as cooperativas, associações de moradores, etc.
Família
A família é uma associação de pessoas de sexos diferentes com o objetivo de geração e criação de descendentes. Para a criança a família é uma comunidade porque provê suas necessidades básicas e abarca todos os aspectos da sua vida social.
A família é o primeiro grupo a se formar na história da espécie humana, e desde então funciona sob a influência dos elementos sexo, reprodução e economia. Estes fatores interagindo, determinaram, através da história da humanidade, a transformação do sistema familiar primitivo de promiscuidade, no qual todo homem na tribo pertencia a toda mulher e vice-versa, para o sistema da família consangüínea ou extensiva, formada por clã de parentes de sangue com seus cônjuges e filhos, e mais recentemente para o sistema da família nuclear ou conjugal, constituída de pais e filhos.
As funções desempenhadas pela família são: a função biológica de perpetuação da espécie acompanhada da satisfação sexual dos membros do casal; a função econômica de manutenção da família com alimentação, habitação, proteção e educação; a função social de socialização das crianças e estabelecimento de posição de prestígio; e a função cultural de transmissão da herança cultural (científica, artística, e religiosa) da sociedade.
As funções da família são controladas pelo casamento. Este é a instituição de controle da associação familiar através do estado. Ambos, instituição e estado, são definidos adiante neste capítulo. O controle das funções familiares pelo casamento se dá por contrato que regulamenta os seguintes aspectos: duração; idade mínima e grau de parentesco dos cônjuges; violações do contrato; responsabilidades econômicas dos cônjuges entre si e perante os filhos; e disponibilidade das propriedades dos cônjuges.
O interesse do estado em controlar a família reside na função desta na perpetuação da espécie e posição básica na estrutura da sociedade. Este interesse se reflete na ação de apoio do estado à família na sociedade moderna, quando o estado assume funções anteriormente exclusivas da família na área da educação, com os jardins de infância e escolas, da economia com o salário mínimo, o salário desemprego e programas de alimentos, da saúde, com as hospitais, clínicas e campanhas de vacinação, e na área cultural, com programas de recreação, esporte, arte e ciência. Este avanço do estado sobre as funções da família tem encontrado resistências, a exemplo da controvérsia sobre o aborto, porém tem se justificado devido às mudanças que a família tem passado com o processo de industrialização e urbanização da sociedade nos últimos 120 anos.
Classe
A Sociedade é estratificada num “continuum” de posições definidas por padrões de superioridade e inferioridade. Cada classe social ocupa uma destas posições denominada como posição social ou “status”. Esta estratificação coloca a sociedade como um sistema hierarquizado em que as classes são consideradas como inferiores ou superiores de acordo com alguns atributos sociais como consciência de classe, ocupação, riqueza, hábitos de consumo, herança de prestígio, filiação social ou participação de grupo, identificação própria, e reconhecimento de outrem. A distinção de classes inferiores e superiores tem sido feita por denominações bipartites como os pouco e os muito, gente e povo, elite e massa, livre e servo, rico e pobre, mandões e mandados, educados e não educados, produtivos e não produtivos, aristocrata e burguês, burguês e proletário; ou por designações tripartites como nobre, burguês e servo, e classes alta, média e baixa. Aristóteles dividiu a sociedade em muito ricos, muito pobres, e os intermediários (Aristotle, 1988:87); Adam Smith em os que vivem da renda da terra, do salário do trabalho, e do lucro de negócios (Smith, 1963:194); Thorstein Veblen em trabalhadores e classe ociosa (Veblen, 1973:33); e Karl Marx em trabalhadores (proletariado), capitalistas (burguesia), e um grupo intermediário (pequena burguesia) tendente a desaparecer (Marx and Engels, 1963:56).
Os indivíduos de uma classe social apresentam as seguintes características: têm consciência da existência da classe; consideram-se como iguais ou possuindo o mesmo status; e têm os mesmos padrão de vida ou poder aquisitivo ou oportunidade de obter bens, interesses econômicos, atitudes, valores, e estilo de vida. Estas características são responsáveis pela formação da ideologia e pela prática ou comportamento de uma classe social, que por sua vez diferenciam as classes sociais. A origem e diferenciação das classes sociais são tratadas adiante neste capítulo sob a denominação “formação das organizações sociais”.
Estado
O estado é um tipo de organização social. É uma associação que controla alguns aspectos das relações entre as pessoas numa comunidade. A amplitude e a profundidade do controle exercido dependem do grau de desenvolvimento da comunidade. Num pequeno agrupamento de famílias, como em comunidades pré-históricas, as relações entre os indivíduos são reguladas por uma opinião pública não organizada. O povo de Ona, na Tierra del Fuego, não tem forma alguma de liderança permanente (Lowie, 1940:288); ocasionalmente uma liderança emerge no grupo para enfrentar uma missão, após a qual a liderança cessa. Em comunidades mais desenvolvidas como as dos esquimós, ciganos e tribos indígenas, o controle é exercido por costumes e tradições sociais e através de autoridade reconhecida pelo grupo na pessoa de chefe de família, velho, curandeiro, ou chefe do grupo. Até este nível de desenvolvimento da comunidade o estado não se apresenta na forma de uma agência de controle social, com autoridade regulamentadora e um aparato de governo. Nesta última forma o estado se constituiu nas cidades estado da idade antiga, nos vales do Nilo e da Mesopotâmia, e na Grécia.
Como agência o estado é um guardião da sociedade, com autoridade constituída e declarada para criar e aplicar a lei. A lei é um conjunto de regras que os tribunais, ou agencias da lei, tomam conhecimento, interpretam e aplicam com o objetivo de mantém a ordem e a segurança social. Assim o estado é uma associação peculiar no sentido de que abrange todos os indivíduos da comunidade. Nas outras associações um membro pode evitar o controle cancelando sua filiação. Entretanto o estado pode ter seu poder sobre os indivíduos ou cidadãos limitado por provisão constitucional, a exemplo dos casos das liberdades religiosa e de expressão do pensamento.
Algumas comunidades que constituíram as cidades estado expandiram-se por guerras de conquista e formaram impérios como os Egípcio, Babilônio, Persa, e Romano, que se caracterizaram como estados autocráticos. Estes resultaram, com a queda do império romano, no sistema feudal, descentralizado, formado por um grande número de comunidades pequenas. A aglutinação destas comunidades em estados nacionais foi proporcionada pelos grandes transformações econômicas e políticas a partir do século XV, ou sejam, a reforma protestante, o descobrimento e colonização da América e outras partes do mundo, a revolução comercial impulsionada pela descoberta das terras, a revolução industrial, as revoluções francesa e americana, as guerras napoleônicas, e as guerras de libertação anticolonial.
O estado nacional é uma organização política que visa manter paz e ordem interna, e defender a nação contra o ataque de outras.
No século XX o estado passou a desempenhar a função de promotor do bem estar social. A presença do estado na economia e na vida social geral se expandiu através do aumento de serviços efetuados por agências governamentais.
Os defensores do “laissez faire” propõem um mínimo de interferência governamental como benéfico à sociedade. Outros consideram o estado como um mal necessário para se manter a lei e a ordem. Marx e Engels prevêem que o estado torna-se desnecessário com o desaparecimento das diferenças de classes na sociedade. Entretanto a presença do estado tornou-se ampla e direta nos países de economia de planificação centralizada como China, Vietnã e Cuba, e ampla mas indireta como nos países da Europa ocidental, nos Estados Unidos e no Brasil. É indireta no sentido do governo prover a infraestrutura, os serviços básicos e os incentivos para o setor privado atuar.
As extensão e profundidade da atuação do estado na sociedade é uma questão polêmica em termos filosóficos, ideológicos e partidários. As funções do estado sujeitas à polêmica são: manutenção da ordem; promoção da justiça; conservação dos recursos naturais; provisão de educação e apoio a ciência, arte e cultura em geral; controle de atividades artísticas e científicas; controle de opinião pessoal ou de grupo, de atitudes ou preferências morais, e de costumes populares.
Um ponto de partida para o esclarecimento destas questões é o estudo das origem e formação das organizações sociais, particularmente da família, das classes sociais, e do estado. Procuramos abordá-lo na seção deste capítulo denominada “formação das organizações sociais”.
Formação das Organizações Sociais (Família, Classe, e Estado)
A família, as classes sociais e o estado, são organizações sociais que se formaram como resultado de transformações que historicamente ocorreram nas relações do homem com a natureza e com seu semelhante. Para nos informar sobre estas transformações, utilizamos a divisão da história da sociedade humana em épocas ou estágios denominados selvageria, barbarismo e civilização; e seguimos de perto a análise feita por Engels no livro Origem da Família, da Propriedade Privada, e do Estado.
Estes estágios se diferenciam pelo grau de domínio que o homem tem sobre a natureza e de complexidade nas relações dos homens entre si, na labuta para obter alimento e outros bens. Assim, no período da selvageria o homem progrediu desde a simples coleta do alimento (frutas, nozes e raízes) para a captura de peixe e outros animais aquáticos e a utilização do fogo para preparar alimentos como a batata e o peixe em brasa ou em forno subterrâneo. Os alimentos aquáticos e o fogo possibilitaram ao homem se instalar em qualquer localidade independentemente do clima. Também neste período o homem inventou o arco e a flecha que transformaram a caça numa atividade regular; fez o machado de pedra; e construiu a canoa com machado e fogo. Algumas tribos de índios na Amazônia, na Polinésia e na Austrália ainda estão no estágio de selvageria.
No estágio de barbarismo o homem conseguiu as seguintes realizações: cultivar plantas e domesticar animais; fundir o ferro para a fabricação de machado, facão, bico de arado e outros utensílios e artefatos; praticar agricultura de larga escala, possibilitada pelos machado, facão e arado de bico de ferro puxado a boi, que proporcionou um suprimento ilimitado de alimentos; invenção e utilização do adobe secado ao sol e de pedra na construção de edifícios e muros com torres e vigílias para as cidades, do alfabeto e escritos literários inclusive os poemas Homéricos e a mitologia, de instrumentos fabricados totalmente com ferro, do fole, do moinho manual, da roda de cerâmica, da carroça, do carro de combate, e da construção naval com viga e prancha. Estes avanços constituíram o legado do barbarismo para a civilização. Alguns povos que viveram esta época foram as tribos americanas à leste do Rio Mississipi; os índios Pueblo do Novo México; os povos do México, da América Central e do Peru, da época da conquista espanhola; Arianos e Semitas na Mesopoâmia, Índia e Europa; Gregos da Idade Homérica; Italianos anteriores à Roma; Alemães que conquistaram o Império Romano; e Nórdicos ou Vikings.
A civilização emergiu do estágio do barbarismo principalmente pela transformação da sociedade baseada em relações de parentesco ou sociedade de constituição gentia, em uma sociedade baseada na família monogâmica, em organização da produção destinada ao mercado, e na presença do estado. A formação da sociedade gentia durante a selvageria e o barbarismo, e sua transformação em sociedade civilizada, contêm a formação da família, das classes sociais e do estado.
Durante todo o período da selvageria e a maior parte do barbarismo os agrupamentos humanos se organizaram na base da família poligâmica, e não existiam classes sociais nem estado. A mulher tinha posição social superior à do homem por duas razões: (1) tinha liberdade sexual igual ou superior à do homem, e (2) detinha maior autoridade decorrente da circunstância da maternidade dos filhos ser sempre identificável, enquanto a paternidade freqüentemente não o era, no sistema poligâmico.
No período de selvageria ocorreu o sistema de casamento em grupo, em que a mulher reconhece seus filhos e considera todas as crianças do grupo como filhos; somente a descendência do lado da mãe, ou a maternidade, pode ser comprovada; portanto somente a linha de descendência materna é reconhecida, e a herança obedece a esta linha. O casamento em grupo evoluiu do sistema mais primitivo em que todos os homens pertenciam a todas as mulheres e vice-versa, para sistemas em que o grupo se dividiu em subgrupos à medida em que os parentes mais próximos foram progressivamente sendo afastados de relacionamento sexual. Por exemplo, no sistema de família consangüínea, os subgrupos são formados de gerações diferentes; ou seja, uma primeira geração, seja pais e mães, formam um subgrupo de maridos e esposas em comum; seus filhos compõem um segundo subgrupo, também de maridos e esposas em comum; os netos destes formam um terceiro subgrupo… . A família consangüínea, portanto, evitou relações sexuais entre pais e filhos. Um avanço seguinte no sentido da exclusão de relações sexuais entre parentes ocorreu com a formação de subgrupo formado de irmãs e primas que se casavam com uma turma de parceiros como maridos comuns, que não eram, necessariamente, irmãos entre si e não eram irmãos das esposas do subgrupo. O mesmo ocorreu com subgrupo de irmãos e primos a se casar com turma de parceiras. Ainda outro exemplo de divisão do grupo familiar é aquele em que uma tribo é divida em dois grupos que se casam. Cada homem de um grupo é marido de todas as mulheres do outro grupo, bem como cada mulher de um grupo é esposa de todos os homens do outro grupo. Neste caso ocorre relações sexuais entre pais e filhos, e irmãs e irmãos.
A exclusão de parentes próximos como parceiros sexuais levou à formação do sistema do par familiar, que prevaleceu na época do barbarismo. Neste sistema um homem e uma mulher, que não sejam parentes, formam um casal permanente. O homem, dependendo de suas condições econômicas, pode praticar a poligamia, enquanto a mulher é obrigada a ser fiel pela ameaça de punição severa em caso de adultério. No caso de separação, os filhos ficam com a mãe. Entre o sistema de casamento em grupo e o de par familiar, ocorreu uma forma intermediária em que tanto o homem quanto a mulher passaram a escolher parceiro favorito entre os vários parceiros que o sistema de casamento em grupo permitia.
O sistema de par familiar evoluiu durante o período de transição entre o barbarismo e a civilização, para formar a família monogâmica.
A evolução do sistema familiar, mencionada, e a formação das classes sociais e do estado fazem parte do mesmo processo de transformação da sociedade humana – processo que depende fundamentalmente da divisão do trabalho na sociedade, para a realização das tarefas caseiras e a obtenção de alimentos e outros bens.
O sistema do casamento em grupo constituiu uma sociedade que denominamos de sociedade gentia e que se formou na época da selvageria e continuou pelo período do barbarismo. Nesta sociedade como já mencionamos a mulher desfrutava de liberdade e autoridade, e o processo de produção de alimentos não demandava uma divisão de trabalho que dividisse a sociedade em classes sociais. Tal divisão ocorreu quando o aumento da riqueza criou novas funções a serem efetuadas no processo produtivo, e novos bens a serem apropriados pelos membros da sociedade. A riqueza cresceu com o aparecimento e desenvolvimento da criação de gado e da utilização dos produtos deste atividade, como o couro, o leite etc.; do cultivo de plantas como o milho e verduras; da produção de instrumentos feitos de metais; da arquitetura. A criação de gado possivelmente iniciou o processo de acumulação de riqueza operando mudanças na sociedade gentia, que resultaram na transformação da família matriarcal em família patriarcal e monogâmica por parte da mulher, bem como no surgimento de classes sociais e do estado. Até então a mulher possuía os utensílios domésticos e o homem os instrumentos de obtenção do alimento. Já com a criação do gado o homem ampliou sua propriedade passando à dono do rebanho. Quando este crescia mais rapidamente do que o grupo humano, tornou-se necessário mão de obra adicional para cuidar do gado. Esta foi obtida pela transformação dos prisioneiros de guerra em escravos. Assim surgiu a escravatura. A propriedade de gado e escravos levou o homem a questionar a herança na linha materna a fim de garantir a transmissão desta riqueza a seus filhos. O novo poder econômico do homem, dado pela propriedade dos bens de produção lhe possibilitou derrubar o sistema matriarcal e implantar a família patriarcal. O homem passou a uma posição de supremacia em relação a mulher, que foi forçada à uma condição de servidão na atividade produtiva, e instrumento de reprodução da espécie e da satisfação sexual do homem – condição que se estendeu em diversos graus e formas até hoje.
A expansão da propriedade privada sobre os bens de produção entra em choque com a organização comunal da sociedade gentia. De forma que para garantir a propriedade e estendê-la contra a reação da sociedade gentia, surgiu o estado.
O máximo de complexidade e tamanho atingido pela sociedade gentia foi a confederação de tribos. Mesmo a confederação preservou as instituições de propriedade comunal dos bens e do processo democrático de decisões tomadas através de conselho de representantes com direito a voto, sendo permitida a participação de todos os membros da comunidade com direito a voz. Na sociedade gentia a vida de comunidade tem um curso normal sem necessidade de aparato governamental; não há desigualdade econômica ou social; as decisões são tomadas em comum ou são condicionadas pelos costumes estabelecidos; e a comunidade cuida dos que não podem cuidar de si mesmos. O estado foi paulatinamente organizado para substituir as instituições da sociedade gentia, coerentemente com os interesses dos indivíduos que adquiriam novas riquezas como gado e escravos. Assim o sistema do povo em armas da sociedade gentia foi substituído pelo exército e pela polícia, que se destinaram a subjugar os escravos e garantir a apropriação privada da propriedade comunal do próprio povo ou de outros povos saqueados; o sistema de tomada de decisões da sociedade gentia foi substituído por aparato político burocrático e legal regulador das relações entre as classes superiores e inferiores; a igualdade entre os membros foi substituída pela desigualdade entre as classes dos proprietários e dos escravos e não proprietários.
A historia de Atenas, especialmente no período em que foi instituída a constituição de Teseu, ilustra a instalação do estado à custa da dissolução da ordem gentia. Estabeleceu-se um governo central em Atenas congregando as tribos em uma nação única; a população, independentemente do grupo familiar ou da tribo, foi dividida nas classes dos nobres, agricultores e artesãos; somente os nobres podiam ocupar posições no governo. A nobreza criou uma legislação sobre crédito agrícola que disciplinou o açambarcamento da terra dos camponeses pelos nobres. Os camponeses que perdiam suas terras por endividamento, eram reduzidos à servidão, tendo que pagar cinco sextos da produção agrícola como aluguel da terra; ou transformados em escravos, quando vendidos pelos credores; ou ainda tinham a opção de vender seus filhos como escravos para cobrir os débitos.
Este tipo de relação entre a nobreza e os camponês ocorreu mais tarde no Império Romano, e de forma semelhante onde o estado emergiu da sociedade gentia ou se implantou sobre ela.
Instituição
Instituição é um tipo de organização social que realiza as atividades que satisfazem as necessidades humanas. É um sistema de relações sociais e um sistema de comportamento. Estes sistemas resultam da experiência dos grupos sociais em se organizar para resolver seus problemas ou atender suas necessidades. A instituição como sistema é constituída de costumes populares e de leis que interagem na execução de funções. Estes sistemas têm estabelecidas formas e condições de procedimento na realização de uma função. Por exemplo, o casamento é uma instituição cujas formas e condições de funcionamento incluem namoro, noivado, contrato de casamento, cerimonias de casamento civil e religiosa, residência, relacionamento amoroso do casal, amor paternal, amor maternal, e amor filial, e cuja função é assegurar a perpetuação da espécie através da regulamentação das relações familiares.
Uma instituição funciona através de uma associação satélite ou algumas delas. Por exemplo, a instituição casamento é realizada pela associação família. Outros exemplos de instituições e correspondentes associações são: propriedade privada e empresa; constituição e estado; credo e igreja; eleição e partido político; greve e sindicato; ópera e teatro; aula e escola; futebol e estádio. Uma instituição encarna um interesse, uma idéia ou um conceito, num sistema de comportamento; já a associação é a organização que leva a cabo aqueles interesses, idéias, ou conceitos.
Quanto menos complexa for a sociedade maior será a importância dos usos e costumes nas atividades sociais. Estes historicamente se diferenciam em instituições comunais, que por sua vez dão origem as suas associações. A instituição se diferencia dos usos e costumes na realização das atividades sociais, em grau. Usos e costumes representam formas de comportamento espontâneos e experimentais, enquanto a instituição estabelece, através de suas associações, comportamentos planejados, regulares e padronizados. Nas sociedades modernas a vida social é crescentemente institucionalizada.
Cada instituição tem um aparato burocrático constituído de regulamentos e de pessoal. Este desempenha a função de perseguir os objetivos da instituição e de preservá-la.
As principais instituições da sociedade moderna são formadas nos seguintes campos institucionais: familiar, político, econômico, educacional, artístico, ético, estético, religioso, militar, e recreativo.
Indivíduo, Sociedade e Moral
Vimos anteriormente que a sociedade é um sistema complexo no qual os homens se relacionam condicionados por usos e procedimentos realizados por organizações como a comunidade, o grupo, a associação, a família, a classe social, o estado, e as instituições. Consideraremos brevemente, agora, a questão do relacionamento entre o indivíduo e estas organizações ou a sociedade.
A natureza e a personalidade humanas são produtos sociais desde que o homem sempre viveu em sociedade, e a personalidade do indivíduo não se forma na ausência do convívio social. Isto é ilustrado por diversos casos estudados de pessoas isoladas da sociedade, como o caso de Anna. Ela…
Por ser produto do relacionamento e da herança social, a personalidade não descarta a existência da individualidade como expressão do indivíduo além da mera condição de membro da sociedade. Esta parte da condição do homem pode corresponder as suas energia e ação criativas. A criatividade do homem é exercida ou sufocada dependendo da interação das suas atitudes, interesses e motivações com aqueles usos e procedimentos estabelecidos na sociedade. Quanto mais harmoniosa esta interação tanto maior será a liberdade dos indivíduos na sociedade. Neste caso os usos e procedimentos ou conjunto de normas são aceitos livre e conscientemente, o que corresponde a um comportamento moral. Consequentemente, moral e individualidade convergem no interesse da harmonia social.
Portanto podemos inquirir que uma situação de persistente desarmonia ou conflito social, como a que se caracterizou com a formação da família patriarcal e do estado, é imoral. O estudo da moral como “um conjunto de normas, aceitas livre e conscientemente, que regulam o comportamento individual e social dos homens” (Vasquez, 1989:49) pode qualificar estas questões sociais ajudando a compreendê-los no interesse do indivíduo e da sociedade.
Civilização e Cultura
Podemos aquilatar, agora, a arbitrariedade da divisão da história da sociedade humana nos estágios de selvageria, barbarismo e civilização. Dada a natureza evolutiva e dialética das mudanças históricas, elas não ocorrem sequenciadamente no tempo ou no espaço. Já vimos que atividades características da época da civilização ocorriam na época do barbarismo, como a agricultura em larga escala, e a linguagem escrita como meio de comunicação. Por outro lado, agora na época da civilização, existem na Amazônia, na Austrália e na Polinésia, povos remanescentes das épocas do barbarismo e da selvageria.
A cronologia dos estágios de selvageria, barbarismo e civilização, mostra-nos que de um total de quinhentos mil anos da vida do homem como espécie, os primeiros quatrocentos e noventa abrangeram a época da selvageria, os seguintes cinco mil, o barbarismo, os últimos cinco mil, a civilização, e destes, os mais recentes quinhentos anos, a civilização ocidental. É evocativo compararmos a extensão destes períodos com os 350 milhões de anos da presença da vida na terra e os 4000 milhões de anos da origem da terra.
O estágio de civilização foi atingido quando o homem conseguiu domesticar animais, praticar uma agricultura sedentária e utilizar a linguagem escrita. O avanço da civilização consistiu na descoberta, utilização e difusão de técnicas, instrumentos e formas de organização que lhe permitiram dominar a natureza e aumentar a população, formando uma sociedade cada vez mais complexa. Esta é a parte material da civilização, ou seja o conjunto de meios físicos que o homem utiliza para controlar suas condições de vida – meios físicos como as cidades, os meios de transporte, os equipamentos, edificações e construções no meio rural e o aparato das organizações sociais.
A parte material ou física da civilização é complementada por uma parte intelectual denominada cultura. Fazem parte da cultura as crenças, os costumes, as leis, e os conhecimentos artístico e científico. Estes elementos são incorporados intelectualmente pelo homem e constituem capacidades e padrões de comportamento que compõem a cultura, e que podem ser transmitidos, através de símbolos, entre as gerações.
Em razão de fatores antropológicos combinados com outros geográficos e tecnológicos, diferentes civilizações se constituíram. Algumas desapareceram ou se descaracterizaram, como as civilizações Maia no México, Inca no Peru, a Minoana em Creta, e a Hohokam nos Estados Unidos; outras se transformaram pelo contato com povos diferentes, como a civilização Russa e a Japonesa que se ocidentalizaram; e algumas persistiram por milênios mantendo predominantemente características próprias, como a civilização chinesa até a revolução comunista em 1948.
O historiador Arnold Toynbee classificou 31 diferentes civilizações sem contar as que abortaram (Toynbee, 1972:11). Elas nasceram, desenvolveram-se e declinaram, e resultaram na civilização que vivemos.
Sociedade Humana e Sociedade Global
Nos últimos cinco séculos a humanidade ocupou completamente a superfície da terra e eliminou as distâncias físicas entre os homens através dos modernos meios de comunicação. Este progresso não resultou na união política. Pelo contrário, criou o poder de destruir completamente a civilização.
Arnold Toynbee afirma que “sem dúvida a humanidade vai se auto destruir a não ser que consiga se constituir numa única família” (Toynbee, 1972:10).
O fim da guerra fria, o agravamento da crise econômica e social da sociedade industrial, o progresso tecnológico e a questão ecológica, criaram um cenário para grandes transformações que poderão conduzir a humanidade na direção desejada por Toynbee.
A questão ecológica criou a necessidade do homem estender sua “consciência da presença e da semelhança do outro” e o seu “senso de algo adquirido e desfrutado em comum,” ao ambiente natural como um todo, água, terra, ar, e seres vivos.
Considerando a sociedade humana e o seu meio natural ambiente como uma sociedade global, os homens poderiam buscar a superação dos conflitos da sociedade humana. Isto seria através do reconhecimento, pelas partes em conflito, do campo mais amplo de interesse na sociedade global.
Mudança Social
Mudança social são transformações nos procedimentos e costumes os quais guiam e controlam o comportamento humano na sociedade. O cenário para a mudança social se compõe dos seguintes elementos: (a) a natureza e a personalidade humanas são produtos sociais, conforme discutido anteriormente; (b) o ambiente em que o homem vive é constituído por uma parte natural e outra parte criada pelo próprio homem. Ambas as partes do ambiente são instáveis ou se modificam, fazendo com que a sociedade esteja sempre em mudança. Portanto a sociedade sofre um processo permanente de mudança, numa seqüência temporal.
As ciências sociais secundaram as ciências biológicas em buscar, no conceito de evolução, um ordenamento temporal da vida da espécie. Este conceito aplicado à mudança social, incorpora os seguintes elementos: (a) continuidade e direção da mudança; (b) variação quantitativa (aumento ou redução) com mudança de estrutura; (c) escalonamento em níveis tais como superior, inferior, mais alto, mais baixo, mais avançado, menos avançado, etc. Assim a evolução ocorre como um processo de diferenciação. Quando a diferenciação tem direção para cima obtemos um processo de desenvolvimento. Se acrescentarmos ao conceito de evolução um objetivo determinado subjetivamente por um ideal ou uma valoração ética, teremos um novo conceito ou o conceito de progresso. Neste a diferenciação resulta num escalonamento com as denominações de melhor ou pior.
Um nível alto de desenvolvimento social corresponde a um estágio superior de evolução mas não implica necessariamente que seja melhor em termos de progresso. Por exemplo, a população da cidade do Rio de Janeiro tem um grau de desenvolvimento industrial mais alto do que os índios de Amazônia mas isto não lhe garante que esteja socialmente melhor em termos de qualidade de vida. Outro exemplo pode ser o da Arábia Saudita que tem uma renda per capita alta mas a maioria do seu povo tem uma baixa qualidade de vida. (veja-se os dados da Tabela 2 na seção sobre Desenvolvimento, deste Capítulo.) Julgamento sobre progresso está mais no âmbito de ética do que das outras ciências sociais.
Teorias sobre Mudança Social
As causas e a direção do processo de mudança social têm sido apresentados na forma de teorias ou de hipóteses.
A idéia de mudança social como um processo permanente pode parecer óbvia ao público de hoje, mas foi popularizada somente a partir da segunda metade do século passado. Durante os quatro mil e quinhentos anos da idade antiga (4.000 A.C. à 500 A.D.), os mil anos da idade média (500 à 1.500 A.D.) e mais de três séculos da idade moderna (1.500 à 1850), predominou a concepção de que a vida do homem é determinada por força divina e poderá abruptamente desaparecer da face da terra.
A concepção de mudança social prevalecente na atual sociedade industrial moderna reflete a prática da mesma, em que a mudança é um processo permanente ou contínuo e inevitável. Do homem da caverna até hoje esta concepção foi se delineando de acordo com as transformações que trouxeram a sociedade até a atual fase.
O homem primitivo tinha conhecimento da existência de mudanças porém adotava uma atitude negativa em relação às mesmas. Predominava o culto da tradição, os costumes eram considerados como imutáveis, e a lei da tribo garantia a autoridade da tradição.
Na idade antiga, referente às civilizações do leste, China, Mesopotâmia, Egito, Mediterrâneo e Roma, prevaleceu uma teoria pessimista de que mudança leva a uma deterioração de bom para ruim, e daí para pior. A sociedade existiu inicialmente numa idade de ouro ou paraíso, donde decaiu. Platão (429-374 A.C.) e Aristóteles (384-322 A.C.) viam mudança como decadência e corrupção.
Baseados na observação dos fenômenos naturais como o movimento dos astros e o ciclo vital das plantas e dos animais, e em crenças religiosas, os pensadores antigos formularam a teoria de mudança cíclica. Esta postula que os eventos da história humana se repetem formando um circuito. Assim, o paraíso perdido reaparece e torna a decair, sucessivamente. Esta teoria teve grande influência entre os Gregos e passou para os Romanos, sendo adotada por influentes pensadores como Virgílio (70-19 A.C.), e Marco Aurélio (121-180).
O pensamento antigo sobre mudança atinge seu ponto de maior desenvolvimento na teoria da ascensão. Esta teoria teve o Grego Hesíodo (800 A.C.) como precursor, e foi desenvolvida pelos Epicuristas que formularam uma filosofia da história a partir da teoria atômica de Demócrito (470-362 A.C.). Postulou que o homem evoluiu do estágio de selvageria para o de civilização por seu próprio engenho. Mais tarde Lucrécio (95-52 A.C.) propalou a teoria, em Roma, e cunhou a palavra progresso.
A idade média, emergente da conquista do Império Romano pelos bárbaros germanos, experimentou um retorno ao domínio do pensamento místico. O sistema feudal de rígida estrutura social, e a ascensão da Igreja Católica sobre o Estado, resultou em atitude de indiferença em relação a questão das mudanças sociais. A autoridade eclesiástica impossibilitou qualquer desafio à doutrina católica de que o homem se realiza na eternidade e não nesta vida. Importantes formuladores desta doutrina foram Santo Agostinho (354-430), João de Salisbury (1115-1180), e São Tomás de Aquino (1225-1274).
O marasmo medieval da Europa foi quebrado pelo impacto da conquista Islâmica. Durante os séculos sete e oito os árabes conquistaram o norte da África inclusive o Egito, e partes da Índia, do Oriente Médio (Síria e Persia), da Ásia Central, e da Península Ibérica; assimilaram conhecimentos científicos e filosóficos de povos conquistados. Consolidaram uma ampla cultura nas áreas de matemática, astronomia, lei, botânica, química, geografia, filologia; e foram precursores de teorias sociais do século dezoito e da idade moderna através de trabalhos como Prolegômenos da História Universal do Tunisiano Ibn Khaldun (1332-1406). O método científico de observação, pesquisa e experimentação, desenvolvido pela cultura Árabe, representa a base da ciência moderna. A cultura Árabe, as cruzadas, a imprensa e a Renascença vieram tirar a Europa do torpor medieval para entrar na idade moderna.
A Renascença (1300-1600) representou uma negação da autoridade da Igreja ou da fé Cristã através de um retorno ao humanismo Grego. Machiavelli encarna o pensamento Renascentista sobre mudança social, quando considera Roma imperial como modelo de organização social e vê mudança como sinal de decadência.
A influência da cultura Árabe e a contribuição para o pensamento social de Francis Bacon (1561-1626), René Descartes (1596-1650), Fontenelle (1657-1757), A.R.J. Turgot (1727-1781) e Herbert Spencer (1820-1903), construíram a concepção moderna de mudança social como um processo natural, e permanente ou contínuo e inevitável. O método científico firmou-se como paradigma do pensamento social moderno deixando para trás o misticismo medieval e o humanismo renascentista.
A teoria, sobre mudança social, de maior influência no final do século IXX e no século XX é a interpretação antropológica da história (Fromm, 1991:13), desenvolvida por Karl Marx (1818-1883) e Friedrich Engels (1820-1895). Freqüentemente denominada materialismo histórico ou interpretação materialista da história, esta teoria avança na direção da concepção da capacidade do homem resolver seus próprios problemas. Por conseguinte excluiu ambos a metafísica e o idealismo da interpretação da história. Marx afastou a metafísica adotando o método dialético desenvolvido por Georg Hegel (1770-1831). Negou a concepção idealista defendida por Hegel de que mudança social é realizada pela razão ou espírito, afirmando que o fator determinante de mudança são as condições materiais da sociedade.
O processo dialético da história, segundo Marx, realiza-se através da contradição entre a condições materiais de produção, ou as forças produtivas, e as relações de produção. As forças produtivas são os instrumentos ou equipamentos, máquinas, construções, recursos naturais etc., que utilizados de acordo com o nível de tecnologia existente, constituem um modo de produção. Este é o modo de se produzir e distribuir os produtos utilizados pela sociedade, característico de determinado período histórico. O modo de produção determina as relações de produção ou relações de propriedade, que, por sua vez, constituem a superestrutura da sociedade incluindo-se as instituições jurídicas, políticas, religiosas, e a vida cultural ou intelectual, estética, espiritual, e filosófica.
A contradição entre as forças produtivas e as relações de produção são a tese e a antítese que superarão o conflito gerando uma síntese ou situação qualitativamente diferente da anterior. Este conflito surge quando as forças produtivas se modificam pela mudança das condições materiais de produção. Consequentemente as forças produtivas, ou a base da estrutura social, adiantam-se à antiga superestrutura que fica defasada e anacrônica em relação à primeira. Assim Marx identificou as fases históricas da sociedade humana pela transformação progressiva dos modos de produção Asiático ou antigo e do modo de produção escravista, em feudal, e deste em capitalista. O mesmo processo explica a mudança, em andamento, do capitalismo para o socialismo.
À superestrutura existente correspondem determinadas formas de consciência social. A partir do conceito de que o modo de produção da vida material determina todos os outros aspectos da vida da sociedade, Marx conclui que o ser social do homem determina sua consciência, e que esta não determina seu ser social. Portanto o homem conhece através de seu ser, ao invés de ser através do seu conhecer. Sobre isto Marx explica que “Contrastando diretamente com a Filosofia Alemã que olha do céu para a terra, nós miramos da terra para o céu. Isto é, nós não partimos do que o homem diz, imagina, concebe, nem do homem narrado, pensado, imaginado, concebido, a fim de chegar ao homem em carne e osso. Nós partimos do homem real, ativo, e na base do seu verdadeiro processo de vida, demonstramos o desenvolvimento dos reflexos ideológicos e ecos deste processo vital”… “A vida não é determinada pela consciência, mas a consciência é determinada pela vida.” (Marx and Engels, 1972:47).
O sociólogo William Ogburn (1886-1959) formulou a teoria do retardamento cultural para explicar a mudança social na sociedade moderna. Distingue dois tipos de cultura, a material, composta de construções, máquinas, produtos industrializados, transporte, etc., e a não material, ou seja, governo, família, educação, religião, arte, e filosofia. Na sociedade moderna, o grande número de invenções resultante do avanço tecnológico, provoca mudanças no cultura material numa rapidez que não é acompanhada pela cultura não material, criando-se o retardamento cultural. A sociedade estaria se desenvolvendo ou progredindo quando a cultura não material ou as formas de pensar do homem, estivessem se ajustando ou acompanhando o avanço da cultura material ou da tecnologia. Exemplos de retardamento cultural são (1) devastação na riqueza do solo nos países industrializados causada pelo uso do trator na produção agrícola, (2) a existência de analfabetismo e fome na sociedade industrial moderna, e (3) a poluição urbana e a devastação das florestas resultante do crescimento econômico.
Desenvolvimento da Sociedade
Desenvolvimento social, ou desenvolvimento da sociedade, ou simplesmente desenvolvimento, é um processo permanente de mudança, numa seqüência temporal. Ocorre como um processo evolutivo e de diferenciação que gera crescimento e progresso. Conforme vimos em seção anterior sobre “mudança social”, é um processo que apresenta (a) continuidade e direção da mudança, (b) variação quantitativa (aumento ou redução) com mudança de estrutura, e (c) escalonamento em níveis tais como superior, inferior, mais alto, mais baixo, mais avançado, menos avançado, etc.
O desenvolvimento como crescimento expressa as mudanças materiais ou que podem ser medidas, como a produção e a renda, quando apresentam variação quantitativa positiva. Neste caso desenvolvimento pode ser mais apropriadamente denominado crescimento econômico. Já o progresso acrescenta ao crescimento econômico valoração ética sobre o caráter ou o objetivo do crescimento. Assim o crescimento econômico representa progresso quando resulta em melhoria das condições materiais e morais de vida da população como um todo, bem como de cada um dos seus membros. As condições materiais são aquelas que podem ser mensuradas diretamente como alimentação, vestuário, e habitação, e indiretamente como educação, saúde, segurança e equidade. As morais são liberdade, responsabilidade, dignidade, e justiça.
O conceito de desenvolvimento inclui ambos crescimento e progresso.
O crescimento econômico tem sido expresso pelo Produto Nacional Bruto – PNB ou o valor total da produção de bens e serviços de um país em um ano. Para se poder fazer comparações entre países o PNB é calculado em termos per capita e em moeda da aceitação ampla como o dólar.
Como a análise do desenvolvimento econômico de muitos países revelou que aumentos do PNB per capita não corresponderam à melhoria de vida da população como um todo, passou-se a buscar medidas mais completas do desenvolvimento. Assim passou-se a usar o Índice da Qualidade Física de Vida (IQFV) e o Índice de Nível de Vida (INV). O IQFV, desenvolvido por Morris (1979), mede a qualidade de vida em termos dos seguintes indicadores do nível de vida: expectativa de vida à idade de um ano, mortalidade infantil e alfabetização. Cada um desses indicadores é medido numa escala de 1 à 100, sendo que 1 representa a pior e 100 a melhor condição revelada pelo indicador. A média aritmética dos três indicadores é o valor do IQFV. Já o INV, desenvolvido pelas Nações Unidas (UNRISD, 1972), é um índice composto de desenvolvimento calculado na base de oito indicadores sociais mais nove indicadores econômicos. Estes indicadores econômicos e sociais de desenvolvimento, apresentados em UNRISD (1972:74,75), são os seguintes:
- Expectativa de vida ao nascimento
- Percentagem da população em localidades com 20.000 ou mais habitantes
- Consumo diário de proteína animal, per capita
- Matrícula primária e secundária conjunta
- Taxa de matrícula vocacional
- Número médio de pessoas por cômodo habitacional
- Circulação de jornal por 1.000 pessoas
- Audiência radiofônica por 1.000 pessoas
- Produção agrícola por trabalhador agrícola masculino
- Consumo de eletricidade, KWH per capita
- Consumo de aço, Kg. per capita
- Consumo de energia, Kg. de carvão mineral equivalente per capita
- Comércio externo (soma de importação e importação) per capita
- Percentagem da população economicamente ativa com eletricidade, gás, água, esgoto, etc.
- Percentagem de trabalhadores agrícolas masculinos na força de trabalho masculina total
- Percentagem de manufaturados no PNB
- Percentagem de assalariados na população economicamente ativa total
Recentemente (a partir de 1990) as Nações Unidas lançou o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) (UNDP, 1991) que se propõe a dar uma medida composta de desenvolvimento. O cálculo do IDH é semelhante ao do IQFV e do INV, porém os indicadores de desenvolvimento usados no IDH são (1) expectativa de vida, (2) alfabetização de adultos e número médio de anos de atendimento escolar, combinados, e (3) Produto Nacional Bruto (PNB) per capita.