Sonhos na Política

Acreditamos que é um dever cívico revelar à nossos semelhantes tudo do nosso conhecimento adquirido na feroz batalha política. É um gesto de solidariedade no sentido de permitir às pessoas realizar seus sonhos.

Sonhos na Política

Eduardo Lacerda Ramos

 

Prólogo   3

Introdução   3

Parte l  Sonhadores e Sonhos   3

1 Grandes sonhadores   4

2 Evolução do pensamento sobre sonhos na política   7

3 Forjando sonhos   7

Parte II  Sonhos, Poder e Força   17

Parte III  O que se Passa no Governo   19

1  O telefonema de Flávio

2 O telefonema do Partido

3 Encontro no Partido – “Só se respeita quem se faz respeitar”

4 Encontros com Flávio, Jackson, Pedro Torres e Jerônimo no Shopping

5 Envelope branco

6 FAPESB

7 Célia na Brooksfields

8  Posse

9  Secretaria – primeira vista

10  Flávio

11 Jerônimo e Jackson (Assessores Especiais?)

12  Pedro Torres

13  Wagner

14  Dra. Eva

15  Walter Pinheiro

16  Rui Costa

17 James

18  Afonso Florence

19  Edson Valadares

20  Pititinga

21  Silvio da UEFS

22  Silvio “Gentleman”

23  Cláudio Melo

24  Moça da China

25  FAPESB

26  Conferências de Ciência, Tecnologia e Inovação – SECTI

27  Conselho de Secretários de Ciência Tecnologia e Inovação –  CONSECTE

28  Os Ministérios

29  Centros Digitais de  Cidadania – CDC’S

30  Cidades Digitais

31 Microsoft

32  Parque Tecnológico

33  Centros Vocacionais Tecnológicos Territoriais – CVTT’S

34  Academia Baiana de Ciência – Roberto Santos e Edivaldo Boaventura

35  Núcleo de Relações Internacionais

36  Dinamarca

37  Alemanha

38  Uruguai

39  Trabalhismo

40  PDT

41 Urânio

42 Chumbo

43  Corrupção ( LOVELACE; Empresa de fármacos no Rio; BRASKEN).

44  Eleição de 2010

45 Saída da Secretaria

I Prólogo

– Qual é seu principal interesse em tratar de sonhos na política? Perguntou Arnaldo à Ed.

-Tudo vem da compaixão que se tem pelas pessoas e mesmo outros seres vivos, que não conseguem ser felizes.  Hoje, em vários países da Europa, nos EUA, no Japão, na Austrália, na Nova Zelândia, na Islândia, em Singapura, por exemplo, ampla parcela da população desfruta das oportunidades de ser feliz. Outras áreas do mundo, como a África e o Oriente Médio, ainda não conseguiram chegar lá. Diante desta preocupação sobre a felicidade,  o Brasil tem uma condição, uma experiência rica, e uma das maiores oportunidades. Darcy Ribeiro chamou muito a atenção para este nosso cabedal. Ele, como cientista e como romântico, conclui seu livro dizendo que “Estamos nos construindo na luta para florescer amanhã como uma nova civilização, mestiça e tropical, orgulhosa de si mesma.”

– Desta forma, Ed, você nos coloca em frente à “sonhos” e à “compaixão”! e daí?, para onde isto pode nos levar?, pergunta Arnaldo.

– A compaixão é a mais elevada forma de amor, entende Osho (2007).

– Quiçá seria um baita de um sonho ver a compaixão transformar  todo o sofrimento da humanidade, numa felicidade como a desfrutada hoje na Noruega. Seria um sonho onde a compaixão perpassaria o interminável túnel dos padecimentos, chegando ao vale da felicidade.

No mundo dos homens a política tem determinado o caminho, o sorriso e o choro, comenta Arnaldo. – Qual o caminho que devemos escolher para conseguirmos a felicidade de todos?

 

II Introdução

Na Parte I deste trabalho damos algumas pinceladas sobre sonhadores ao longo da história e sobre a natureza dos sonhos na política. Seus sonhos frequentemente dirigiram e tumultuaram a vida de todos os humanos sobre a terra.

Na Parte II comentamos  o caminho ou os caminhos políticos por onde temos trilhado ; como e porque acertamos ou erramos nas escolhas; e quais as consequências, explica Ed. Os relatos dos acontecimentos, atos e fatos, que ocorreram conosco no âmbito do governo e fora dele, serão feitos da forma mais direta e simples na Parte III. Validaremos os pontos de vista, convicções, vieses e humores que tínhamos nos momentos em que os acontecimentos se desdobraram.  Torcemos que eles permitam se pescar, ou melhor, revelar, a verdade contida nos cenários daquele cotidiano e que acabam se refletindo no destino de todos.

 

Parte I   Sonhadores e Sonhos

1  Grandes Sonhadores

 

Arnaldo indagou à Ed : – não seria interessante saber o que é que tem a ver os sonhos com a política? -Sim, retorquiu Ed, sonhos e seus companheiros, como as representações sociais,  a magia, religião, a alquimia, os mitos, as artes, as fantasias, etc., têm mexido com a cabeça do homem desde tempos imemoriais, inclusive na política.

Felipe da Macedônia teve o sonho de construir um Império Macedônico, que levou Alexandre o Grande a criar, pelas armas, o maior Império de todos os tempos, abrangendo grandes extensões da Europa, da Ásia e da África. A inculta Macedônia tinha a vantagem inicial de um exército fortalecido em duras guerras regionais. Inebriado com a cultura Grega durante seu exílio na Grécia, Felipe construiu o sonho de, num primeiro momento, somar o potencial militar da Macedônia com a força da cultura Grega, e num segundo, partir para a conquista do Império Persa. Seu filho Alexandre O Grande conseguiu realizar esse sonho (Wikipédia, Felipe ll da Macedônia).

Napoleão Bonaparte sonhou formar um grande império na Europa. No início do século dezenove (1807) dominava uma área maior do que a do Império de Carlos Magno.

Fidel Castro sonhou uma Cuba Livre. Cuba vem sofrendo o boicote do poderoso inimigo do norte, há mais de sessenta anos.

Getúlio Vargas sonhou transformar o Brasil numa potência industrial. Criou a Petrobrás e tomou várias outra iniciativas nesta direção.

Hitler sonhou em criar um império mundial germânico.  “ Só que este sonho resultou na segunda guerra mundial e na morte de cinquenta milhões de pessoas”, ironizou Arnaldo.

Brizola e Darcy Ribeiro sonharam valorizar o futuro das crianças e do Brasil, através da educação ( Centros Integrados de Educação Popular – CIEPS ). “Só que a poderosa elite brasileira interferiu, e ditou que os CIEPS eram “muito caros”, arrematou Arnaldo.

Martin Luther King, Mandela, e Che Guevara sonharam com a igualdade, e Cristo sonhou o divino sonho de paz e do amor entre os homens.

Vários deles perderam o poder e/ou a vida em condições dramáticas, mortos por assassinato ou por suicídio. Em última análise, alguns foram vítimas dos seus sonhos. Que o digam Alexandre, Napoleão, Hitler, Getúlio Vargas, e tantos outros.

Por outro lado, suas lutas resultaram em grandes avanços para a humanidade; -também sonhos têm levado muitas pessoas a finais felizes, observou Arnaldo. -Por exemplo, europeus sonharam e lutaram, por décadas, por uma Europa unida e forte econômica e politicamente. Já andaram um bom caminho nesta direção.

 

2 Evolução do Pensamento sobre O Sonho na Política

Arnaldo tem a mania de questionar as pessoas sobre a origem, a razão e o propósito das coisas. – O que faz um sonho dar certo ou dar errado?

-Qual foi o sonho do PT? Uma República Sindicalista? Um sistema socialista?  Alguém diria que foi um Brasil como está agora?

Ed arriscou dizer que provavelmente os sonhos são como a tempestade em formação. Pode acontecer ou se dissipar. Entretanto, o significado dos sonhos, tanto para a pessoa humana individualmente como coletivamente, tem se revelado e evoluído através de formas imemoriais de conhecimento, como a magia, até à ciência da psicologia, criada a partir do século XX.

Por toda a história da humanidade a magia “aspirou desvendar, conhecer e usar o que presumivelmente estaria oculto aos sentidos ( cognição ),  fora da percepção sensorial clássica, da lógica, da razão e do critério;  inversamente, a teologia, a filosofia e as ciências ortodoxas, procuram conhecer as causas” (es.Wikipédia,org/wiki/Magia). Os povos da antiguidade acreditavam na razão posta a serviço dos deuses ou dos deuses monarcas ( concepção mítica ou consolidada pela tradição, do mundo ),  conceito que evoluiu com os gregos a partir do século VI aC passando-se a acreditar na razão voltada para o interesse do homem.

Arnaldo comentou que o homem comum do povo procura tirar proveito da interpretação dos sonhos, como no caso da busca de números para apostar em loterias. O próprio Arnaldo ganhou alguns milhares de reais apostando o número da placa do fusca do seu irmão, no jogo do bicho. Mas não somente as pessoas do povão têm um gosto pelas forças ocultas, acrescentou Ed. – Sabe-se que desde a Idade Antiga, membros da elite intelectual, como Pitágoras e Platão, foram considerados como Magos (es.Wikipédia.org/wiki/Magia)  – Mais para perto de nós, o saudoso médico cirurgião e espírita baiano, Dr. Fernando Filgueiras, foi  exaltado como o “mago do bisturi”; sem se precisar falar de Chico Xavier !

Carlos Castaneda nos levou a quase que vivenciar o mundo mágico de sonhos dos Toltecas. Trata-se de todo um aprendizado para chegar a interagir com uma realidade diferente da nossa, fora da nossa percepção ordinária (Sánchez, 1997).

– O mundo de Castaneda pode nos ajudar a evoluir no entendimento dos sonhos na política?, observa Arnaldo.

Castaneda penetrou na sabedoria dos xamãs aprendendo com o índio xamãn Dom Juan Matus, pertencente a uma linhagem advinda da antiguidade no México. A realidade diferente da nossa, conforme o aprendizado de Castaneda, significa ou significaria que não estamos inexoravelmente aprisionados aos termos de referência da nossa civilização ou do nosso mundo.

–  Finalmente se quisermos entender o papel dos sonhos na política no mundo atual, que caminho podemos seguir?, indagou Arnaldo.

– Para começar podemos considerar a evolução do pensamento humano, recordando o significado do movimento intelectual denominado Iluminismo, retorquiu Ed, sonhado e desenvolvido na Europa durante o século XVIII, por isso denominado século das luzes. Alguns pontos altos do movimento foram: as contribuições dos filósofos Baruck Spinoza , John Locke e Pierre Bayle e do matemático Isaac Newton; a Enciclopédia, composta de 35 volumes escritos por centenas de intelectuais como Diderot, Voltaire e Montesquieu; e as influências do movimento sobre Benjamin Franklin, Thomas Jefferson, a Revolução Americana, a Declaração da Independência dos Estados Unidos; e a Declaração Francesa dos Direitos do Homem e do Cidadão,  etc..

O Iluminismo representou uma transformação da mentalidade medieval essencialmente espiritualista/ religiosa para o pensamento racionalista da era moderna.

O racionalismo é uma doutrina filosófica desenvolvida desde a antiguidade ( século I a. C. ) chegando  à era moderna com as contribuições de filósofos como Spinosa, Descarte, e Leibniz;  considera que o conhecimento resulta da razão; e gerou o método científico.

– Não podemos deixar de frisar que o método científico veio a ser o principal instrumento de todo o progresso da humanidade. A psicologia, por exemplo, surgiu em boa parte através da utilização do método científico ao estudo dos sonhos.

– Podemos afirmar que o progresso da sociedade se deve ao pensamento e ação dos homens motivados pelos seus sonhos?, provocou Arnaldo. –  Acredito na força da motivação criada e impulsionada por sonhos. A ciência da psicologia tem penetrado nas profundezas da mente humana desvendando e esclarecendo seus mistérios. Ela explica que, partindo do nosso inconsciente,  o sonho expressa desejos reprimidos ( Freud ), ou compensação para a psique ( Carl Jung ).

– Seria esclarecedor estabelecermos , neste ponto, um conceito técnico de inconsciente, ponderou Arnaldo. Ed comenta que Carl Jung, o criador da psicologia analítica, considera o inconsciente como o campo da mente constituído por tudo que é desconhecido do nosso mundo interior. Ele distingue entre inconsciente pessoal e inconsciente coletivo. Arquétipo é um conceito componente do inconsciente coletivo, que junto aos nossos instintos, encontra-se em camada mais profunda da psique constituindo uma base da mesma (Jung, 2012). Aí poderíamos buscar explicação para o comportamento mental dos atores do nosso mundo político. As  expressões populares “crack de bola” e “político descarado” podem representar inconscientes coletivos?

Puxa! Exclamou Arnaldo: – não seria mesmo interessante conhecermos o que realmente passa pela cabeça de caras como Getúlio Vargas quando se suicidou; Jânio Quadros quando renunciou à Presidência; Collor quando sequestrou a poupança do brasileiro; Joaquim Barbosa quando se deparou com o mensalão; ou mesmo o que vai nas mentes dos membros da cúpula do PT, do PMDB, e do PSDB no mundo do mensalão e do petrolão?

Ed concordou dizendo que os  conhecimentos da psicologia  baseados em conceitos tais como inconsciente, inconsciente coletivo e arquétipo, podem ajudar a esclarecer até onde os sonhos  influenciam o destino da sociedade através do comportamento dos atores da política. A Psicologia Social é o ramo da Psicologia Aplicada que se desenvolveu a partir da década de 1970, na qual podemos buscar respostas à perguntas como: por que políticos têm comportamento dúbio por vezes expondo a sociedade à situações desastrosas; ou, por outro lado, assumem posturas que resultam em mudanças revolucionárias. Através dos arquétipos poderemos estabelecer denominadores comuns para a compreensão dos nossos políticos. Por exemplo, o arquétipo do patrimonialismo poderia explicar as cabeças de muitos deles. De fato o patrimonialismo tem muito a ver com a formação da sociedade brasileira. O poder patrimonial dominou pessoas, bens materiais e o governo, como se fora uma propriedade familiar, e o grosso da população sempre foi sufocada.  O sistema de poder na sociedade brasileira, ao longo da história, sempre esteve essencialmente patrimonialista: O Governo Geral com Tomé de Souza, Duarte Coelho Pereira, e Mem de Sá, as Capitanias Hereditárias, o Império com Dom Pedro I e Dom Pedro II, e por último a Republica dos latifundiários, do capital estrangeiro e da política corrupta.

Hoje, na “Lava Jato”, quase sempre os advogados dos grandões, como Marcelo Odebrecht e Lula, reclamam de uma forma como se tivessem dizendo “vocês sabem com quem estão tratando?”.

– Também, a figura provocativa do Deputado Eduardo Cunha não poderia representar uma caricatura do patrimonialismo na vida brasileira?, indaga Arnaldo.

As Ciências Sociais e a literatura têm destrinchado este patrimonialismo, através das obras de Gilberto Freire, Hélio Jaguaribe, Nelson Werneck Sodré, Fernando Henrique Cardoso, Graciliano Ramos,  Guimarães Rosa, Jorge Amado, e vários outros, sem falar nos estrangeiros.

– Você pode, Ed, prestar um enorme serviço à nossa sociedade destrinchando a banda boa, bem como a banda podre do mundo do governo, que teve oportunidade de ver de perto, advertiu Arnaldo. Além disso, sua bagagem científica, internacional e política, subscrevem a qualidade e a utilidade das suas revelações.

– Você está sendo generoso, comentou Ed.

– De qualquer sorte uma recapitulação sobre a infância e a juventude ajudam a se entender melhor a ideologia de quem entra intensamente na política.

 

3  Forjando Sonhos

As experiências relatadas a seguir, certamente corroboraram  o desenvolvimento da ideologia política de Ed. A ideologia pode explicar a gestação de sonhos e a tomada de decisões na arena política.

O comentário de Arnaldo provocou, na mente de Ed, uma recapitulação instantânea de toda sua vida, numa sequência de acontecimentos não esquecidos, e possivelmente mais relevantes politicamente.

Arnaldo perguntou à Ed : na sua trajetória, qual o maior sonho?

– Ainda bem menino, disse Ed, fiquei profundamente impressionado com o ideal grego de “mens sana in corpore sano” – como se tivesse descoberto uma fórmula mágica para conseguir uma vida bem sucedida. A leitura de “ As Forças Morais “ e “O Homem Medíocre”, ambos de José Ingenieros, e os ensinamentos filosóficos e científicos de Affonso Ramos, meu pai, e meu tio Anibal Ramos, ambos professores da então Escola Agronômica da Bahia, em Cruz das Almas, foram mais do que suficientes como uma arrancada inicial.

Certamente, comenta Arnaldo, José Ingenieros contribuiu amplamente para a formação do pensamento latino-americano nas áreas de psicologia, psiquiatria, psicologia social, sociologia e antropologia.  –  O livro “As Forças Morais” foi dedicado à Juventude da América Latina, público destacado por Ingenieros.

– Outro sonho que se delineou bem cedo, na idade de 7 ou 8 anos , prossegue Ed, foi sobre o da oportunidade para todos. Aquela ocorrência representou um momento crucial e decisivo porquanto intensamente emocional na infância, quando pela primeira vez dei de cara com a miséria humana. Foi numa manhã de inverno em Cruz das Almas, lá pelos fundos das terras da Escola de Agronomia . Estava a casa de uma família paupérrima, casa de taipa coberta com palha de ouricuri, camas de vara; as crianças, galinhas, porcos, cachorros, ocupando o espaço do quintal, onde fezes, mal cheiro de lamaçal, compunham um quadro infernal.

Aquelas imagens calaram fundo na memória, para sempre e amarguradamente, porque havia um abismo de disparidade entre aquela situação de miséria extrema e as condições da classe média em Cruz das Almas, naquele início dos anos 50, abismo que se revelou com uma realidade cruel.

Estas impressões fortes na infância, comenta Arnaldo, causadas por situações sociais dramáticas, podem vir a fazer parte do inconsciente, e consequentemente influenciar na construção de sonhos, bem como na formação ideológica.

Ed prossegue referindo-se a outros fatos que gosta de lembrar como marcantes na sua formação política e cultural, que considera humanista e socialista, e contribuíram para a construção de seus sonhos no âmbito político.

–  A casa do meu tio Anibal, bem como a nossa, no bairro residencial dos professores da Escola Agronômica da Bahia, em Cruz das Almas, tinha o jeito de uma academia cultural, constando conversações entre estudantes e professores da Escola Agronômica, música clássica tocada em disco de vinil, e dança tipo “arrasta pé” com samba, bolero, valsa etc., e de acesso à livros de Bertrand Russel, José Ingenieros, Vargas Vila, Castro Alves, Anatole Francis, Georges Politzer, o historiador  Edward Burns, e vários outros; algumas sentenças daqueles livros sempre voltam à mente, como :

“no perpétuo fluir  do universo nada existe e tudo deriva , como enunciou o obscuro Heráclio Efésio “

“ As Forças Morais”, José Ingenieros;

“agora ou nunca, amanhã é a mentira piedosa com que se iludem as vontades moribundas”    “As Forças Morais”, José Ingenieros;

“se todo mundo soubesse o que todo mundo diz de todo mundo, ninguém falaria de ninguém”

Anatole France;

“sobretudo jamais tenhais medo, o inimigo que lhe vos faz recuar, tem medo de vós no mesmo instante”

Anatole France;

“ser sincero é estar nu; fica-se exposto a todas as intempéries. A sinceridade é uma virtude que só devemos a nós mesmos; praticá-la com os outros é um suicídio”

“Dos Vinhedos da Eternidade”, Vargas Vila;

“O Estado não vive do Direito, mas da Força; e a Força, gasta-se; o povo não conta senão com o Direito, e o Direito cresce; um dia, não muito longínquo, o Direito dará cabo da Força, e o Estado desaparecerá; a mais abominável tirania morrerá com ele”

“Dos vinhedos da Eternidade”, Vargas Vila;

“o poderio político funda-se no apoio da massa cujas ideias reinantes favorecem ao Estado … as massas podem, até certo ponto do desenvolvimento histórico, ser enganadas … quando esse apoio das massas se atenua, o Estado se enfraquece: o uso da violência sem rebuços pela classe dominante é o sinal de sua fraqueza e do seu fim próximo. As ideias que dominam as massas é que são determinantes”

“Princípios Fundamentais de Filosofia”,  Georges Politzer;

“Caminheiro que passas pela estrada,

seguindo pelo rumo do sertão

quando vires a cruz abandonada

deixa-a dormir em paz na solidão

( … )

Caminheiro, do escravo desgraçado

o sono agora mesmo começou

não lhe toques o leito de noivado

a liberdade a pouco o desposou”.

Castro Alves;

“Quebre-se o cetro do papa

faça-se dele uma cruz

a púrpura sirva ao povo

pra cobrir os ombros nus

( … )

banhem-se em luz os prostíbulos

e das lascas dos prostíbulos

erga-se estátuas aos heróis”

Castro Alves;

“ É por não desejar o colapso da civilização que sou socialista”

“Ensaios Céticos”, Bertrand Russel.

Na varanda daquela casa , ainda na adolescência, Ed leu, aos poucos, a obra importantíssima de Edward Mc Neil Burns, “História da Civilização Ocidental – do Homem da Caverna até a Bomba Atômica”, publicado em dezenas de edições nas últimas seis décadas. Encantava-se com as análises e as ilustrações por mapas, fotos e desenhos, vários deles coloridos, dos fatos históricos naquele livro. Já na paz e no silêncio da Biblioteca da “Escola Agronômica da Bahia”, localizada no lado sul do primeiro andar do Prédio Central, desfrutou da riqueza literária da “ Biblioteca Internacional de Obras Célebres”.

– Essa Biblioteca é realmente sensacional, comenta Arnaldo. – Você se lembra de alguma das suas leituras nela?

Como exemplo, lembro-me de um conto sobre Cleópatra. Ela costumava atrair jovens, acertando que cada eleito desfrutaria consigo de momentos amorosos, condicionando-se que, após a luxúria, seria sacrificado, ou seja, decapitado. Esta situação relatada no conto, deixou-me profundamente assustado com a frieza de Cleópatra, e com o drama do jovem de vinte anos, belo, e exímio caçador de leões.

– O conteúdo destas leituras e conversações seriam suficientes para a consolidação de uma consciência humanista e socialista?, indagou Arnaldo.

– Sim, disse Ed, desde que este conteúdo  encontrasse, como de fato encontrou, reflexos em nossa realidade. – A realidade sócio econômica política do Brasil, nas décadas de cinquenta e sessenta, tinha o clima propício à absorção das ideias e ao desenvolvimento das lutas nacionalistas e socialistas. As lutas eram estudantis, operárias, de funcionários públicos, “ O Petróleo é Nosso”, o suicídio de Getúlio Vargas, a renúncia de Janio Quadros, a queda de Jango, a ditadura militar, a ascensão de Brizola e do PT. Estes foram alguns dos marcos da arena política brasileira naquelas décadas.

– E qual foi sua participação?, perguntou Arnaldo.

–  A guisa de simplificação, mencionemos as seguintes atividades:

Aos quinze anos ( 1958 ) Ed enfrentou e venceu com ampla margem, uma dura eleição para presidente do Grêmio Lítero Esportivo Castro Alves – GLECA, do Colégio Alberto Tôrres – CAT, em Cruz das Almas. O candidato oponente era filho do Diretor, e pela primeira vez a campanha foi levada à cada sala de aula, numa disputa acirrada. Tanto que “Marreta” acabou jogando a tinta azul de um tinteiro no rosto de Pituca, militante adversário, quando este tirava do mural um cartaz da campanha do Ed. Naquela época ainda se usava a “pena” e o tinteiro.

As principais realizações da nova Diretoria do GLECA, na gestão de Ed, foram a construção da Quadra de Basquete e Futebol de Salão, instalação de sala de recreação com dominó e dama, organização da seleção de futebol do GLECA; tudo feito com recursos obtidos da população de Cruz das Almas, e, também, a Campanha pela Estadualização do Colégio Alberto Torres – CAT. Foi então que Ed redigiu e levou a “Tese em Defesa da Estadualização do CAT” para ler no “Primeiro Colóquio dos Estudantes Secundários da Bahia”, realizado na cidade de Jacobina, em 1959. Este Colóquio foi realizado pela Associação dos Estudantes Secundários da Bahia – ABES, que naquele momento levou centenas de estudantes até Jacobina. A viagem, partindo de Salvador, foi de trem, muito demorada, cansativa, mas alegre. Jarbas Santana, sobrinho do então Deputado Federal Fernando Santana, era o Presidente da ABES, dedicado e competente. Lembro-me que ele gostou de meu paletó de tecido “bagaço de coco” e, como estava fazendo frio,  o tomou por um tempo enquanto fazíamos uma serenata – estávamos encantados com tantas garotas lindas na arborizada praça central de Jacobina. Após as 21 horas, a formosa Praça, muito romântica, ficava somente à luz da lua. Então as serestas e os namoros tomavam os corações da moçada.

Lembro-me também da palestra do Deputado Federal Vieira de Melo, como parte da programação do Colóquio, defendendo a proposta de construção da nova capital, Brasília. Lembremos que JK teve que ultrapassar dura oposição para aprovar o projeto de mudança da Capital Federal, do Rio de Janeiro para Brasília. A palestra de Vieira de Melo pode ser vista como um componente daquela luta.

No final dos anos cinquenta e início dos sessenta, a “Frente Nacionalista” dinamizou a política de Cruz das Almas, apoiando a candidatura de oposição à oligarquia, que historicamente mandou no município, vencendo a eleição com Jorge Guerra para Prefeito; publicando o jornal “O Nacionalista”; distribuindo os jornais de circulação nacional “Semanário” e “Novos Rumos”. Estas ações dependiam da liderança e do envolvimento direto de José Alberto Bandeira Ramos.

Ainda como estudante de agronomia, José Alberto foi o vereador mais votado para a Câmara de Cruz das Almas. Lembro-me tão bem dele em cima daquela lambreta “canela seca”, usando uma botinha coturno do Tiro de Guerra,  pra cima e pra baixo nos três km entre a “Escola Agronômica” e a Cidade de Cruz das Almas.

Requeria atividade frenética para atender às seções da Câmara, cursar agronomia, liderar a “Associação dos Trabalhadores Rurais Tarefeiros” da “Escola Agronômica”, distribuir pessoalmente os jornais “Semanário” e “Novos Rumos” etc., além de participar da vida partidária do Partido Comunista Brasileiro – PCB, em Salvador.

Como vereador Zé deu show. Lembro-me dele durante uma sessão da Câmara, ajudando o então Presidente, Dr. Ramiro Passos da UDN, a conduzir a sessão da mesma, interpretando o Regimento Interno. Assim estava dando um exemplo de superioridade ética, ao colaborar com um adversário político. A UDN – União Democrática Nacional, era o partido líder da Direita no Brasil.

– Qual foi sua participação nestas aventuras?, perguntou Arnaldo.

– Sim, de início foram pequenas aventuras, depois algumas se tornaram bem perigosas. Ora, essas coisas se passavam nos anos anteriores ao de 1964, ano do golpe militar ou da Revolução – conforme a preferência.

–  Muitas vezes Ed pegava carona na lambreta de Zé, que passava em vários pontos na cidade antes de voltar para casa, lá para as doze e meia. Quase como num ritual diário, ele ia ver Baêta, Mário Comunista, Rito, Hélio Pitanga, Lira, e outros,fazendo a conversa política. No mínimo entregava o jornal, mas o mais certo era conversar um bocado com cada um, dando instruções, falando sobre a política e aproveitando para doutrinar,etc.. Ed ficava um tanto estressado com todo aquele “converseiro”. – Vamos pra casa Zé, tá na hora do almoço! Não adiantava, tínhamos sempre uma última parada, na tipografia de Hélio Pitanga, na Rua do Jenipapo, que funcionava como uma espécie de sede da Frente Nacionalista e imprimia o jornal “O Nacionalista”. Era daquelas tipografias que usavam letras colocadas uma por uma, para compor as palavras. Como não tinha outro mais conveniente naquele momento, Zé colocou Ed, mesmo na idade de15 anos, como Redator Chefe do Jornal. Ed nunca esqueceu a expressão paternal de gozação de Aristeu Nogueira (Secretário Geral do Partido Comunista da Bahia-PCB) quando foi apresentado ao mesmo como o Redator Chefe do Jornal “O Nacionalista”. Daí por diante Aristeu perguntava “como está o nosso Redator Chefe?, quando encontrava com José Alberto.

José Alberto cresceu muito no cenário político estadual, chegando a ser responsável pela coordenação das ações do PCB no meio rural do Estado. Seria certamente eleito à Deputado Federal, nas eleições que se seguiriam. Esta exposição pessoal lhe custou caro com o advento do golpe militar de 31 de Março de1964, que priorizou a perseguição ao pessoal do Partido Comunista Brasileiro – PCB. O Superintendente do Instituto Nacional de Desenvolvimento Agrário – INDA, órgão criado pelo governo militar, Dr. Clodoaldo Gomes da Costa, era Professor da Escola Agronômica da Bahia, e foi fundador e Diretor do Colégio Alberto Torres, ambos em Cruz das Almas. Contribuiu, também, escrevendo sobre assuntos diversos, na sua coluna “Do Meu Dossier”, no jornal “Nossa Terra” em Cruz das Almas. Ele, Dr. Clodoaldo, comentou em Cruz das Almas que no âmbito político sabia-se que José Alberto estaria eleito.

“O que aconteceu com Zé Alberto, a partir daí?”, indagou Arnaldo.

– Ele sofreu muito das perseguições do regime militar. Sobreviveu. Continuou tendo uma atividade política dentro do possível, e desenvolveu uma carreira profissional como professor universitário, inclusive conquistando o título de Doutorado, até se aposentar.

– Qual o sonho de José Alberto, na sua maneira de ver?, insistiu Arnaldo.

– O sonho  socialista, segundo a concepção marxista da sociedade. –  Olhe Arnaldo, o sonho de Zé Alberto foi e é semelhante ao de milhões de pessoas em todo o mundo. Busca-se uma sociedade onde as pessoas tenham oportunidades semelhantes para poder alcançar condições materiais e espirituais razoáveis, referentes à determinado momento histórico. Esta é a perspectiva da esquerda política. Ele, o Zé, era afinado com o estado de artes do materialismo histórico e o materialismo dialético, que premiam a estreita relação da teoria com a prática. Por isso era um atento ativista político.

Um ingrediente essencial do sonho esquerdista é apontado por Bobbio (1995), quando escreve: “O impulso em direção a uma igualdade cada vez maior entre os homens é, como Tocqueville havia observado no século passado, irresistível. Cada superação desta ou daquela discriminação, com base na qual os homens dividiram-se em superiores e inferiores, em dominadores e dominados, em ricos e pobres, em patrões e escravos, representa uma etapa, por certo não necessária, mas possível, do processo de civilização”.

– Lembremos que todo o drama político que tumultuou e tumultua  a vida da sociedade no século passado e no atual,  resulta do embate esquerda versus direita, comenta Arnaldo.

– A onda direitista do regime militar levou à perseguição de milhares de brasileiros, como José Alberto, mas nunca abalou sua posição ideológica, nem o desviou do seu sonho.

Naquele momento histórico, final dos anos cinquenta e início dos sessenta, Cruz das Almas entrou na efervescência da vida política da esquerda nacional, em grande parte devido ao trabalho político de José Alberto. Ed nunca esqueceu de como ficou impressionado com a garra de Zé Alberto, quando disse a Seu Jorge Guerra, que a Frente Nacionalista de Cruz das Almas iria apoia-lo à Prefeito do município, mesmo ele não sendo ideologicamente a opção ideal como candidato da Frente. Pela primeira vez na história de Cruz das Almas os votos da esquerda decidiram a eleição para Prefeito. Jorge Guerra foi eleito e logo em seguida deposto. A paranoia do regime militar foi suficientemente para castigar um homem conservador e honrado.

Arnaldo indagou: – como se explica um jovem como o Zé, esmerado intelectualmente, cheio de entusiasmo na militância em prol do socialismo, vir a ser massacrado por perseguição política desumana, brutal ?

Ed responde dizendo que testemunhou, de perto, quando Secretário do  Governo do Estado da Bahia, muita dificuldade, da parte do Governo, em se entender com segmentos divergentes ou reivindicantes, como Professores, Policiais e outros.

– Para se ter uma ideia, basta mencionar que dois Secretários de Estado do então Governo da Bahia, não se incluindo Ed, participaram, em determinado momento, de reunião com representação de Sindicato de Professores Universitários da Universidade de Feira de Santana – UEFS. Estranhamente, esses Secretários se fizeram representar por uma comissão, mas ridicularmente se esconderam  em sala contígua à da reunião, para monitorá-la!

Pôxa, exclamou Arnaldo!, isto parece incrível!

– Vamos ver mais sobre este tipo de fenômeno, adiante.

– A história está repleta de situações semelhantes, em que equívocos, erros e despreparos, tiveram evoluções desastrosas sobre milhares ou mesmo milhões de pessoas, ou mesmo grandes oportunidades foram perdidas. Por exemplos, lembremos  as tentativas infrutíferas do Primeiro Ministro Chamberlaim da Inglaterra, para conter a intrepidez de Hitler; também os esforços de Krushchev com a Perestroica, para desenferrujar a União Soviética; os horrores da Inquisição e do Holocausto; a luta desesperada de Brizola e Darcy Ribeiro para enfrentar o descalabro das favelas, com a implantação das escolas em tempo integral no modelo CIEPS; a estupidez de Bush no caso da guerra do Iraque, as “pedradas” do Donald Trump, como candidato à Presidência dos Estados Unidos,  e uma infinidade de outros casos ao longo da história; inclusive, como exemplo em menor escala, e próximo a nós, a estupidez de Wagner em negligenciar a iniciativa de Ed, como Secretário do governo, para colocar a Bahia na ponta da corrida pela energia solar no Brasil.

Os perseguidos e presos de Cruz das Almas, uns oito principalmente, foram denunciados ao exército por membros da oligarquia local.

– E não é assim no mundo todo?, exclama Arnaldo. – O aparato repressor do estado não está afiado e afinado com a proposta política de quem está por cima?

– É neste ponto que a porca torce o rabo, disse Arnaldo. É o momento em que as regras de convivência da sociedade são desprezadas , desrespeitadas, e o uso da força afasta a possibilidade de diálogo para resolver os problemas e as divergências. Ai se afirmam as forças políticas que impõem suas posições para consolidar vantagens já estabelecidas, e ampliá-las.

– É o caso de Cruz das Almas, quando cassaram os mandatos de José Alberto ( vereador)  e de Jorge Guerra ( Prefeito ), comentou Ed. – Assim mataram dois coelhos de uma cajadada só;  derrubaram a democracia, e com isto ampliaram seu poder político, e, obviamente, o econômico.

Durante a Ditadura instalada no Brasil em 1964, Lauro Passos, ficou como candidato único à Prefeito; os parentes, correligionários e agregados, ocuparam os cargos existentes de Cruz das Almas, e logicamente, todos ampliaram seus ganhos. De sobra, ele prodigalizou terras suas para obras públicas e empreendimentos de interesse da comunidade como a extensa área urbana para a instalação do Departamento Nacional de Estrada de Rodagem-DNER,  abrandando uma possivel imagem de carrasco político. Assim ele quedou ao mesmo tempo como cacique político e mecenas.

Ademais, Lauro Passos, como um dos principais cabeças da família oligárquica de Cruz das Almas, empregou sua influência política junto ao Interventor da Bahia, Landulfo Alves, e ao Ditador Getúlio Vargas, ainda na década de 30, para instalar a então denominada Escola Agronômica, em Cruz das Almas, que teve grande papel no desenvolvimento  sócio econômico da região, inclusive dando origem à Universidade Federal Rural do Recôncavo Baiano – UFRB.

– Como foi que Ed enxergou a passagem daqueles acontecimentos do período de 1964?, Arnaldo indagou.

– A presença militar pareceu ser ambos equivocada e brutal. Equivocada no sentido de que as Forças Armadas poderiam ter sido solidárias com as grandes massas, portanto coerente com sua  pressuposta função de defensora do povo, ao invés de fazer a vez das elites nacionais coligadas com o império norte americano.

– Presença militar equivocada me parece uma expressão muito “light”, diz           Arnaldo.

De fato, continua Ed, a correlação de forças que levou à ditadura em 64, mais uma vez mostrou a hegemonia das forças do capital sobre o trabalho. Brutal porque usou de força desproporcional contra estudantes, operários, políticos, professores, e religiosos, empregando armas do povo contra o próprio povo.

Arnaldo pergunta: “o sofrimento dos milhões e milhões das pessoas perseguidas políticas no Brasil, bem como em todo o mundo, é uma fatalidade?

Esta questão fez Ed lembrar as aulas de “História da Europa entre as Duas Guerras Mundiais,” ministradas pelo Professor Dr. Goldberger na Universidade de Wisconsin – Madison, e da Sorbone. Foi no final da década de setenta, quando Ed estava fazendo o Phd.  Numa abordagem marxista, o Prof. Goldberger  mostrava a luta desesperada das esquerdas para evitar a guerra na Europa. – A lembrança das mortes da Primeira Guerra ( nove milhões de pessoas ), não intimidou os propugnadores da segunda guerra que se anunciava, esta que matou mais de cinquenta milhões de pessoas.

Também não falta quem considere os estados de conflito extremos, inclusive as guerras,  como fenômenos normais na dialética das vidas biológica e humana. Em magistral obra “A Guerra e a Paz na História Moderna” Philip Bobbitt afirma que “a guerra não é uma patologia que, com a devida higiene e tratamento, pode ser plenamente prevenida. A guerra é uma condição natural do Estado, que se estruturou de modo a constituir um instrumento eficaz de violência em nome da sociedade” (Bobbitt, 2003, p.785). Veja só, “instrumento eficaz de violência em nome da sociedade”. – Temos que conviver com um barulho desses, ironiza Arnaldo.

Como você vê isto, Ed?

A continuidade desta irracionalidade global é analisada por Alcoforado ( 2014 ), em  artigo intitulado “Em Defesa de um Novo Projeto Iluminista”, pautando-se no argumento de Theodor Adorno e Max Horkheimer ( 1985 ) sobre os efeitos desastrosos causados pelo totalitarismo do capitalismo de mercado. Portanto, pelo projeto iluminista, os homens superariam sua condição de opressão. Entretanto, a razão do capitalismo de  estado acabou superando  o projeto iluminista.

As aulas do Prof. Goldberger eram ministrada em um anfiteatro no campus, porque atraiam uma  audiência  de umas quinhentas pessoas, inclusive os quarenta alunos regularmente matriculados na Disciplina. Elas sempre terminavam com uma grande ovação em palmas.

– Deve ter sido gratificante para você, comentou Arnaldo, naquele período da ditadura no Brasil, desfrutar de uma atmosfera menos opressora politicamente.

Certamente, respondeu Ed, tanto nos anos de 1976 à 1980, na Universidade de Wisconsin, quanto de 1966 à 68, na Universidade da Flórida, sentia que o clima psicológico que nos oprime nos regimes autoritários, era mais leve nos EUA. Uma questão de grau de opressão.  Hoje parece-nos que a opressão exercida pelo estado sobre a população está maior nos “states”, decorrente das mudanças causadas pelo ataque às Torres Gêmeas em 11 de setembro e a nova crise racial.

Naquelas décadas de sessenta e setenta, continuou Ed, os Estados Unidos estavam passando por uma tormenta ao mesmo tempo social, militar e política: explosão dos movimentos negro, feminista, e hipppie, guerra no Vietnam, a revolução cubana, e ascensão das ditaduras militares na America Latina. Na Universidade da Flórida em Gainesville a tormenta passou ao largo, quando estávamos lá (1966-68). Somente o incidente com a aluna Pamela Brewer perturbou a paz da Universidade. Ela foi expulsa da Universidade por ter pousado nua numa revista de fora do Campus. Também presenciei uma pequena “rusga” ou altercação entre um aluno e o professor de Economia da Terra ou “Land Economics”. Durante uma aula, o bom Professor W.K. McPherson zangou-se com meu querido colega Juan Clark, porque Juan, de vez em quando, criticava aspectos da sociedade americana. Pelo que entendi, o Professor McPherson achava que o Juan Clark, como imigrante cubano e já cidadão americano, deveria “pegar mais leve” com suas críticas.  Senti que aquela era uma “briga de branco”, e “fiquei na minha”. Este pequeno incidente mostra como o “clima” em relação à Cuba era tenso.

Já na Universidade de Wisconsin em Madison, a tormenta foi forte. No começo o movimento contra a guerra do Vietnam incendiou o Campus; em seguida conquistou a adesão da população da cidade de Madison. Alguns incidentes podem dar uma ideia sobre o “clima” daquele momento: os irmãos Armstrong dinamitaram destruindo um prédio novinho de cinco andares, de Matemática. Foi de madrugada, um “cdf” coreano era o único que se encontrava no prédio, que desabou naquele momento.. Os Armstrong acharam esta a melhor forma de protestar contra a guerra do Vietnam, porque o prédio foi construído com recursos da marinha e nele seriam realizadas pesquisas vinculadas à guerra. Fugiram para o Canadá onde se refugiaram até o final do conflito.

Em determinado momento tropas militares ocuparam o campus da universidade. Muitos incidentes agitaram a cidade de Madison. Alunas se colocaram em frente aos soldados enfileirados para isolar prédios da Universidade; elas se postaram ameaçadoras tirando as blusas e apontando os seios diretamente aos olhos dos recrutas, que permaneciam imóveis e embasbacados.

Professores do Departamento de Economia foram induzidos  a deixar a Universidade porque estavam apoiando o movimento contra a guerra. Eles não estavam conseguindo atualização de salário, financiamento para pesquisa, etc. Como eram Professores de destaque, conseguiram facilmente ser contratados por outras universidades, menos fustigadas pela turbulência da política nacional de guerra.

 

Parte II  Sonhos, Poder e Força

Arnaldo indagou como as considerações feitas até aqui podem contribuir para uma interpretação dos “Sonhos na Política”.

Esta pergunta estimulou Ed a pensar na utilização dos conceitos de “níveis de consciência humana” e de “distribuição social de níveis de consciência” pesquisados  por Hawkins (2002), para aquilatar a influência  dos sonhos na política. Hawkins trabalhou por décadas, sacando das fronteiras da ciência nas áreas da física avançada de partículas, e de dinâmica não linear. Conseguiu estabelecer uma mensuração do nível de desenvolvimento da consciência em escala de 1 à 1000.  Estes conceitos podem levar, sugere Ed, a se entender que os sonhos concebidos por líderes podem permanecer e se propagar, a depender da sua natureza e do seu nível energético.

Arnaldo interfere para acrescentar que o argumento de Hawkins sobre poder e força parte do entendimento de que “o poder vem da mente, enquanto a força é baseada no mundo material”.

– Permita-me inquirir, Arnaldo, que alguns sonhos na política sejam eternos, mesmo que temporariamente sufocados pela força; e que utilizemos o argumento desenvolvido por Hawkins sobre o confronto entre poder e força na eterna luta entre o bem e o mal. Hawkins empregou a escala de 1 à 1000, acima mencionada, para mensurar o nível de desenvolvimento da consciência de pessoas e entidades. Ele deu 700 à Revolução Americana por “estabelecer formalmente a liberdade como um direito inalienável”. Também pessoas calibraram alto “por expressar princípios universais”. Gandhi e Mandela calibraram 700 pelo poder do desprendimento no enfrentamento da força do interesse próprio do colonialismo, este calibrando 175. O estadista calibra alto invocando a nobreza dos homens e buscando a verdade; o político usa da esperteza para alcançar posições e mandar pela força, calibrando abaixo de 200.

Qual a pontuação de nossos políticos?, provocou Arnaldo.

Em bom tempo poderemos voltar à isso, retorquiu Ed; porém, acredito que aqueles lenientes presos pela “Operação Mãos Limpas” na Itália, mereceriam entre 100 e 200.

– Os políticos pegados pela nossa Operação Lava Jato mereceriam notas semelhantes.

Arnaldo comenta que o filósofo e espiritualista Osho também trata desta questão do poder versus força (O Livro da sua Vida p.140 ). Ele observa que frequentemente as pessoas não distinguem a “força” e o “poder”, chegando a considerá-las como sinônimos. Entende que a força vem da espada e é violenta, enquanto o poder é amor; a força é o oposto do poder; a força interfere na liberdade dos outros, já o poder mantém e enaltece a dignidade das pessoas; e em certo sentido a força é animal e o poder é espiritual.

Estas considerações advindas dos pensamentos do cientista Hawkins e do filósofo Osho, levaram Ed  a arriscar concluir que os sonhos na política, quando embalados por bondade e solidariedade, tendem a pontuar alto na escala de Hawkins.

Donde veem a bondade e a solidariedade?, indaga Arnaldo.

– O reconhecimento, pelos indivíduos, de suas semelhanças e seus interesses comuns  induziriam e/ou despertariam o sentimento e a prática da bondade e da solidariedade, diz Ed. – Consequentemente, esta prática seria substanciada pela consciência em cada indivíduo, que os resultados advindos das bondade e solidariedade, seriam superiores aos conquistados através de disputas e conflitos destrutivos.  – Remoendo esta ideia, digamos que as bondade e solidariedade representariam um “modus vivendi” mais gratificante, superior, embora não menos trabalhoso.

– Penso que o exercício da liberdade de cada individuo, que convirja com o bem da sociedade, pode representar uma receita promissora para a sociedade humana, opina Ed. – Em outras palavras, a liberdade individual quando contribuir para o bem estar social, fortalece a sustentabilidade da democracia; ademais, a liberdade individual não leva necessariamente à comportamento ante social.

-Talvez estejamos aqui num bom momento de voltarmos à questão feita por Arnaldo, anteriormente: “qual a pontuação dos nossos políticos?”, cogita Ed.

Ed revela estar entusiasmado com a ideia e a possibilidade de mostrar, mesmo que um pouco, a barriga do poder, pautando-se em vivências políticas destas últimas seis décadas. Algumas dessas vivências foram relatadas anteriormente, acima, que contribuíram para a construção de seus sonhos no âmbito político. A pontuação dos políticos serão estabelecidas ao longo do relato das vivências. Será dada diretamente por Ed e/ou Arnaldo, ou, em alguns casos, será deixada para que o leitor o faça.

Tanto Ed como Arnaldo se sentem provocados pela ideia de penetrar tanto na arena quase sempre nebulosa ou misteriosa dos sonhos, quanto no espaço claro, insofismável, da prática  dos atores do drama ou da comédia que está por ser relatada.

Neste sentido, vamos aproveitar os acontecimentos do governo da Bahia quando Ed estava lá, fazendo parte do comando, como cenário da nossa andança no mundo dos sonhos na política.

 

Parte III  O Que se Passa Dentro e fora do Governo

Arnaldo perguntou à Ed quais os seus objetivos políticos e as motivações pessoais referentes ao presente relato.

Ed responde que se inclui entre os que se propõem a fazer uma política com espírito público. Portanto distingui-se o interesse individual da pessoa do interesse coletivo da sociedade.

Arnaldo retruca que em inúmeros casos estes interesses não se apresentam claramente delimitados. – Daí fazer-se indispensável o recurso à ética para que se estabeleçam os limites convenientes à sociedade. – A vida política é repleta de situações de conflitos entre os interesses individuais e os coletivos.

Ed concorda acrescentando que devido ao agravamento do cenário de corrupção no Brasil, a trajetória dos que lutam pelo interesse público queda muito penosa.

– A pena, a dor, dos que querem a coisa certa, dá-se de duas formas: uma delas é a angústia de se ver inúmeras oportunidades de progresso do País ou do Estado ir por água abaixo; por exemplo, ficamos muito tristes, como Secretário de Estado, em ver um dos nossos sonhos ser inviabilizado, sonho de colocar a Bahia na frente da corrida pela energia solar no Brasil (veja-se nosso discurso de posse no governo, em www.eduardolramos.com.br); outro exemplo pode ser o desastre da Petrobrás causado pela corrupção. Por falar em Petrobrás, lembrei-me das palavras de meu pai, Affonso Ramos, no jornal O Nacionalista, de Cruz das Almas, ainda na década de 50, referindo-se à influência dos Estados Unidos no Brasil, durante a luta “o petrólio é nosso”. Ele exclamou: “… tacão de bota no peito, espoliação, moral capitalista”.

A outra forma de sofrimento de quem quer a coisa certa é a acachapante sensação de solidão dentro de um ambiente, o governo, quando não se tem a oportunidade de contribuir com ideias em prol duma luta pelo socialismo. Este sofrimento se deu de forma chocante quando passei a ouvir repetidamente a expressão “projeto” ou “nosso projeto”. Ao mesmo tempo, o governador gostava de mencionar o propósito de valorizar o contraditório dentro do governo.

Arnaldo pergunta por que o “projeto” e o “contraditório” se transformaram em problemas  para Ed.

– Ora, Arnaldo, após vinte anos sofrendo as vicissitudes da esquerda, acreditávamos que, com a tomada do poder federal em 2002, com Lula, iríamos “botar prá quebrar” na direção do socialismo. Este sonho não foi construído tendo como alicerce a Carta Testamento de Getúlio Vargas e a luta das esquerdas em todo o mundo?

“O que você está chamando de “botar prá quebrar”?, indaga Arnaldo.

– Estabelecer uma estratégia política de médio e longo prazos para a construção do socialismo, e lutar desesperadamente por ela.

“O que significa esta construção”?, insiste Arnaldo.

– Consiste na paulatina transferência do poder político e econômico dos donos do capital para os trabalhadores. Na linguagem marxista, da burguesia para o proletariado. Esta é toda a saga da revolução socialista.

– Pois é, continua Ed, no momento em que senti que o “projeto” do governo  não tratava de socialismo, e que o contraditório era apenas uma figura de retórica para dar uma tintura de democrático ao mesmo, comecei a me sentir como peixe fora d’água. Entretanto, é bom que se diga que Ed se sentiu à vontade com os outros Secretários de Estado do Governo, com exceção de um deles.

Isto significa que você estaria renunciando ao posto de Secretário?, indaga Arnaldo.

– Não necessariamente, a constatação de que o governo tem possibilidades (dotação de recursos já consolidada, poder e força), de sobra, para virar o jogo em favor da sociedade, em termos de socialismo, sempre sinalizou para Ed uma responsabilidade de lutar, dentro ou fora do governo.

Você quer descrever com mais detalhe aquele momento? , solicita Arnaldo.

– Sim, estávamos próximos à eleição de 2010, o governador tratando da reeleição, e o partido me convocou para entrar no primeiro escalão do governo. Aí começou tudo que vimos acontecer sobre o projeto de poder do PT, o papo do contraditório, e os sonhos que tentamos perseguir. Enfim, enveredamos pelo embate entre os sonhos e a realidade. Vejamos, em seguida, os detalhes.

Na Parte III, seguinte, pretendemos revelar o exercício dialético entre nossos sonhos e a realidade que nos envolvia. O comportamento e/ou as artimanhas dos políticos, funcionários, empresários e outras figuras com os quais tivemos que labutar, no fundo no fundo encarnam parte dominante do corpo e da alma dos nossos governo e sociedade.

A forma pela qual vamos realizar este exercício é batendo de cara com cada um dos  personagens, atos e fatos, listados a seguir, com os quais lidamos no curto período que passamos no governo, setembro de 2009 à março de 2010.

– Qual o critério usado para selecionar os tópicos listados?, pergunta Arnaldo.

– Listamos as pessoas, entidades e acontecimentos que mais nos chamaram a atenção . Com elas e a partir delas estaremos buscando entender as morfologia, anatomia e fisiologia da política e do governo como ambiente do sonho.

Lista de pessoas, entidades e acontecimentos:

1  O telefonema de Flávio

2  O telefonema do Partido

3  Encontro no Partido – Só se respeita quem se faz respeitar

4 Encontros com Flávio, Jackson, Pedro Torres e Jerônimo no Shopping

5 Envelope branco

6 FAPESB

7 Célia na Brooksfields

8  Posse

9  Secretaria – primeira vista

10  Flávio

11 Jerônimo e Jackson (Assessores Especiais?)

12  Pedro Torres

13  Wagner

14  Dra. Eva

15  Walter Pinheiro

16  Rui Costa

17 James

18  Afonso Florence

19  Edson Valadares

20  Pititinga

21  Silvio da UEFS

22  Silvio “Gentleman”

23  Cláudio Melo

24  Moça da China

25  FAPESB

26  Conferências de Ciência, Tecnologia e Inovação – SECTI

27  Conselho de Secretários de Ciência Tecnologia e Inovação –  CONSECTE

28  Os Ministérios

29  Centros Digitais de  Cidadania – CDC’S

30  Cidades Digitais

31 Microsoft

32  Parque Tecnológico

33  Centros Vocacionais Tecnológicos Territoriais – CVTT’S

34  Academia Baiana de Ciência – Roberto Santos e Edivaldo Boaventura

35  Núcleo de Relações Internacionais

36  Dinamarca

37  Alemanha

38  Uruguai

39  Trabalhismo

40  PDT

41 Urânio

42 Chumbo

43  Corrupção ( LOVELACE; Empresa de fármacos no Rio; BRASKEN; Escola de cinco             milhões de reais)

44  Eleição de 2010

45 Saída da Secretaria

 

III Epílogo

 

 

 

Bibliografia da Parte 1

Bloom,Allan David. O declínio da cultura ocidental. Tradução João Alves dos Santos. São Paulo : Best Seller, 1989.

Bobbio, Norberto. Direita e Esquerda. Tradução Marco Aurélio Nogueira – São Paulo : Editora  da Universidade Estadual Paulista, 1995.

Bobbitt Philip. A guerra e a paz na história moderna : o impacto dos grandes conflitos e da política na formação das nações . Tradução de Cristiana Serra – Rio de Janeiro : Campus, 2003.

 

Felipe ll da Macedônia. Disponivel em pt.wikipédia.org/wiki/Felipe ll da Macedônia. Acesso em 05/01 2015.

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Jung, Carl Gustav. Memórias, sonhos, reflexões; organização e edição Aniela Jaffe; tradução Dora Ferreira da Silva: Nova Fronteira, 2012.

Lessa, Sergio e Tonet, Ivo. Proletariado e sujeito revolucionário. São Paulo: Instituto Lukács, 2012.

Magia. Wikipédia.org/wiki. Acesso em 22/02/2015.

Mao Tsé-tung. Sobre a prática e sobre a teoria. São Paulo : Editora Expressão Popular, 1999.

Nóvoa, Jorge (Org.). Incontornável Marx. São Paulo: Editora UNESP, 2007.

Orwell, George. 1984. Tradução de Alexandre Hubner,Heloisa Jahn; posfácios Erich Fromm, Ben Pimlott, Thomas Pynchon. São Paulo : Companhia das Letras, 2009.

Osho. Compaixão: o florescimento supremo do amor.São Paulo : Cultrix, 2007.

PDT – Caminho brasileiro para o socialismo.  Estatutos; Carta de Lisboa; Carta de Mendes; Carta de São Paulo; Manifesto; Artigos; Textos de Getúlio Vargas, João Goulart, Leonel Brizola, e  Darcy Ribeiro. Rio de Janeiro, PDT, 2006.

Sebag Montefiore,Simon. Stalin: a corte do czar vermelho. Tradução Pedro Maia – São Paulo : Companhia das Letras, 2006.

Weatherford, Jack. Indian Givers. New York : Ballantine Books, 1988.

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